Olá, João Marcos!

Joao Marcos <botoc...@gmail.com> escreveu:

>
> [...]
>
> Na lógica intuicionista a negação ¬A de uma sentença A é
> frequentemente introduzida *por definição* como a sentença A→⊥, onde →
> é a "implicação intuicionista" e ⊥ o "absurdo intuicionista", tomados
> como conectivos primitivos. Como consequência, ao enfraquecermos a
> implicação ou o absurdo, pela consideração de um fragmento dedutivo da
> lógica intuicionista, pode ocorrer que a interpretação de ¬ como algo
> que mereça o título de "negação" seja prejudicada.
>
> Obviamente, para fragmentos da lógica intuicionista a abordagem
> supra-citada só faz sentido quando → e ⊥ estão disponíveis. De todo
> modo, tendo em vista o fato de que os conectivos intuicionistas não
> são em geral interdefiníveis, não é inconcebível que a introdução de
> certos conectivos por meio de abreviaturas possa em certas situações
> ser conveniente, por alguma razão... embora isto possa também passar a
> impressão de que tais conectivos assim introduzidos "não existem de
> verdade".
>
> A pergunta que lanço aqui é: ao trabalhar com *lógicas construtivas*
> (que sejam fragmentos da lógica clássica ou, digamos, de alguma
> extensão modal da lógica clássica), haverá alguma justificativa
> meta-lógica _razoável_ (em oposição a justificativas meramente ad hoc,
> formuladas convenientemente para "explicar" a teoria a posteriori)
> para considerarmos a negação como sendo preferencialmente introduzida
> por abreviatura, sempre que isto é possível?

Antes de mais nada, devo avisar que os meus preconceitos, ahã, perdão,
*convicções* filosóficas se alinham com a "impressão de que tais
conectivos assim introduzidos não existem de verdade".  Isto é, creio
que a negação, caso insistirmos seja mesmo um conectivo lógico, não está
no mesmo patamar dos outros conectivos, mas se relaciona primariamente
com restrições externas e/ou globais (trivialidade), mais do que com
restrições internas e/ou locais (contradição).

Contudo, não creio que seja pertinente expor meus sermões, ahã, quero
dizer, minhas *argumentações* filosóficas nesse sentido, embora esteja
tentado em fazê-lo.  Duvido que possam ser consideradas "justificativas
meta-lógicas razoáveis".

Para aqueles que não compartilham das minhas opiniões esquisitas sobre a
negação, eu diria que as evidências metalógicas apontam na direção
oposta, isto é, *contra* a negação como abreviatura.

Uma ilustração interessante surgiu nas discussões do nosso grupo em
Tübingen algumas semanas atrás.

Nós examinávamos dois teoremas de Grigori Mints sobre regras admissíveis
em lógica intuicionista.  Um dos teoremas afirma que regras admissíveis
que não figuram → são deriváveis (o outro teorema afirma o
correspondente sobre ∨).  Aqui, regras admissíveis que figuram ¬ estão
incluídas, pois a negação é considerada primitiva.  Alguém que
desenvolvesse investigação similar com base num sistema com a negação
definida, seria naturalmente conduzido a um resultado mais fraco.

As demonstrações de Mints são bem complicadas.  Elas combinam
argumentações semânticas com argumentações sintáticas envolvendo
traduções entre lógica clássica e intuicionista.  Em conversa com o Luca
alguns dias depois, eu tentava esboçar uma demonstração mais nominalista
do resultado considerando regras primitivas para a negação em dedução
natural.  Por alguma razão, a conversa ficou girando em torno da
negação, e eu cheguei a mencionar a nossa discussão sobre ex
contradictione quodlibet algum tempo atrás aqui na lista.  Eu apresentei
o que imagino ser a tua posição sobre o assunto.  Fosse o que apresentei
a tua real posição ou um mero espantalho teu, eu acabei me encontrando
sozinho do outro lado do argumento...

Bem, de qualquer maneira, o Luca mencionou algumas coisas interessantes
(ele também estava interessado, por outros motivos, na questão da
negação como abreviatura): na axiomatização pioneira de Heyting (1930) a
negação era primitiva; Gentzen (1934) teria sido o primeiro a propor
explicitamente um sistema com a negação definida em termos da implicação
e do absurdo, embora a ideia já estivesse presente implicitamente em
escritos anteriores de Brouwer e outros precursores intuicionistas.

Eu penso que a proposta abreviativa Gentzeniana com respeito à negação
não é gratuita.  Uma concepção primitiva de negação apresenta
dificuldades consideráveis com respeito à harmonia dedutiva e resultados
relacionados (normalização e etc.)[1][2], apesar do cálculo de sequentes
sugerir aqui uma saída sofisticada[3][4].  Contudo, embora de caráter
técnico, essa limitação pode ser relegada à uma mera questão pragmática
de métodos e resultados, e, para os que preferem, em todo caso, métodos
semânticos, talvez mesmo uma questão inócua.  Ademais, como indico
acima, para os que não compartilham das minhas convicções religiosas,
digo, filosóficas, pode ser mesmo que razões metalógicas conduzam à
posição oposta.  Por razões históricas, no entanto, as matérias técnicas
que preocupavam Gentzen ainda carregam um peso considerável nas
investigações em lógicas construtivas, de maneira que ainda é comum
encontrar a negação abreviada na literatura.


Referências: 

[1] Dag Prawitz. Natural Deduction: A Proof-Theoretic Study, 1965,
Almqvist & Wiksell. Chapter II, § 1, Remark on pp. 34-35.

[2] Michael Dummett. The Logical Basis of Metaphysics, 1991, Harvard
University Press. Chapter 13, Negation, pp. 291-296.

[3] Ian Rumfitt. "Yes" and "No". Mind, 109, 781-823. 

[4] Stepen Read. Harmony and Autonomy in Classical Logic. Journal of
Philosophical Logic, 29 (2), 123-154. 

-- 
Hermógenes Oliveira

»Wir sind leicht bereit, uns selbst zu tadeln, unter der Bedingung, dass
 niemand einstimmt.« -- Marie von Ebner-Eschenbach

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