Oi, João,

Nao, acho que você não entendeu o ponto...

O ponto, penso eu, é que as palavras "prova" e "demonstração" são
utilizadas indissociadamente (em lógica e matemática) tanto em
português tanto, como você pôde ver, em francês (também pelo que tenho
escutado e lido em espanhol...). Portanto, não é nenhum crime contra o
português e a humanidade escolher teoria da prova como a melhor
terminologia para a área que eu atuo, trabalho todos os dias, escrevo
artigos sobre e sim, também textos em português

Eu acho que você colocou claramente os seus argumentos para a sua
preferência por "teoria da demonstração", eu e outros colocames
claramente os argumentos para "teoria da prova". Acho que não vai
haver consenso, não acho que uma argumentação seja melhor que a outra
e detesto ficar discutindo ad infinitum o que quer que seja. Por isso
eu (e acredito outras pessoas da lista compartilham a minha opinião)
não vou escrever mais sobre esse assunto.

Acho interessante, entretanto, a discussão levantada pelo Walter. Eu
tenho muita dificuldade em traduzir alguns termos, então simplesmente
não o faço. Um exemplo é deep inference...

Abraço,

Elaine.

2011/11/13 Joao Marcos <botoc...@gmail.com>:
> Vamos ver se entendo o ponto.  A ideia seria usar a palavra "prova"
> para designar as "construções" (dentre as quais as chamadas _árvores
> de derivação_) e "transformações" (o tal _componente computacional_
> que pretendemos enfatizar) que são objeto de estudo da "Teoria das
> Demonstrações".  É essa a proposta?
>
> Valerá de todo modo a pena acrescentar a tudo isto, como apontei
> antes, a cuidadosa escolha terminológica feita pelo pessoal da
> "inferência profunda"
> (http://alessio.guglielmi.name/res/cos/index.html), que deixam claro
> por exemplo a diferença entre *metodologias* ("inferência rasa" e
> "inferência profunda") e *formalismos* ("axiomático", "dedução
> natural", "cálculo de sequentes" etc) que expressam *sistemas
> dedutivos* para as diversas lógicas ("lógica clássica", "lógica
> intuicionista" etc).
>
> JM
>
> 2011/11/13 Ruy de Queiroz <r...@cin.ufpe.br>:
>> Acrescento um exemplo relevante: apesar do termo "théorie de la
>> démonstration" ser usado em francês, veja como se intitula o laboratório de
>> Jussieu que faz pesquisa em teoria da prova no que se relaciona com a
>> computação:
>>
>> Laboratoire
>>
>> Preuves, Programmes et Systèmes
>>
>> Ruy
>> Em 13 de novembro de 2011 07:50, Ruy de Queiroz <r...@cin.ufpe.br> escreveu:
>>>
>>> Caro João Marcos,
>>> Louvo teu esforço (hercúleo, por sinal) em tentar estabelecer uma
>>> terminologia para uma área que já tem uma (bem) estabelecida. Concordo com
>>> Valéria: há um limite para a discussão sobre terminologia. Francamente, os
>>> argumentos em favor de "demonstração" não me convencem.
>>> Como já te disse em mensagem anterior, considero o termo "prova" mais
>>> adequado. Soaria no mínimo estranho o uso de "demonstração" para traduzir
>>> diversos termos já consolidados como: "proof object" (concordo com Elaine),
>>> "proof construction", "proofs as programs", "proof system", "zero-knowledge
>>> proof" (e, nesse contexto, "prover" versus "verifier"), "proof term", etc.
>>> Um abraço,
>>> Ruy
>>>
>>> Em 10 de novembro de 2011 05:23, Valeria de Paiva
>>> <valeria.depa...@gmail.com> escreveu:
>>>>
>>>> oi Joao Marcos,
>>>> eu sabia que essa ia dar panos pra manga....
>>>>
>>>> Ok, vamos la:
>>>> (0) Nao corro da raia e concordo plenamente que precisamos discutir
>>>> assuntos como a terminologia da area em que trabalhamos, mas nao
>>>> podemos exagerar, ne?
>>>>
>>>> (1)
>>>> >Sobre a curiosa observação de que "não dá para proibir termos
>>>> > consagrados pelo uso"...
>>>> eu tb esclareço que nao disse isso. Disse que pra mim 'e o uso que
>>>> determina a lingua e nao pronunciamentos, seja de quem for. (Ainda que
>>>> eu concorde que 'e necessario batalhar contra usos que nos parecam
>>>> pouco apropriados, no final das contas vence o que o povo resolver
>>>> usar. Pra matematica e pra tudo mais na lingua. )
>>>>
>>>> (2)  o argumento da eufonia pra mim nao 'e tao importante.
>>>>
>>>> (3)
>>>> >Não sei de onde exatamente teria saído a tal distinção entre
>>>> >"demonstration" (que segundo vocês significaria "demonstração com
>>>> >premissas") e "proof" (que significaria "demonstração sem premissas").
>>>>
>>>> bom, pra mim saiu  do pai de todos,  "Natural Deduction:  a proof
>>>> theoretical study, Dag Prawitz", pagina 24, linha -3, na edicao da
>>>> Dover. Exceto que , como a Andrea corrigiu 'e distinção entre
>>>> "deduction" and "proof".
>>>>
>>>> (4)
>>>>  >no discreto ramo da lógica contemporânea conhecido como *Teoria
>>>> > das Demonstrações* (que os matemáticos praticantes em geral ignoram
>>>> > por completo, e da qual poucos sequer ouviram falar, e que certamente
>>>> > ainda conta com pouquíssimas publicações realmente representativas na
>>>> > nossa língua) precisamos de termos técnicos precisos e cuidadosamente
>>>> > projetados/escolhidos, pois as "demonstrações", as proposições
>>>> > "demonstráveis" e a própria noção de "demonstrabilidade" são seus
>>>> > _objetos de estudo_!
>>>>
>>>> Sim, concordamos em genero, numero e grau (com pedidos de desculpas
>>>> pela falta de um teclado competente que faca os acentos necessarios!)
>>>> com:
>>>>
>>>> 1. o fato de que poucos matematicos sequer ouviram falar da teoria em
>>>> questao
>>>> 2.  que esta conta com pouquissimas publicações (cortar-e-colar
>>>> funciona...) representativas na nossa lingua;
>>>>  e principalmente com
>>>> 3. "precisamos de termos técnicos precisos e cuidadosamente
>>>> projetados/escolhidos, pois as "demonstrações", as proposições
>>>> "demonstráveis" e a própria noção de "demonstrabilidade" são seus
>>>> _objetos de estudo_!"
>>>>
>>>> Sim! Exatamente. mas eu posso chamar as demonstracoes de "provas" e a
>>>> "Teoria das demonstrações" de "teoria da prova" pois acho que "Teoria
>>>> da Prova" e' um nome tao bom quanto o inicial.
>>>>
>>>> Nao me sinto agredida de forma alguma pela mensagem, mas tambem (dessa
>>>> vez somente, normalmente voce me convence...) nao estou convencida de
>>>> que a mudanca de terminologia e' necessaria nesse caso. Os argumentos
>>>> apresentados nao foram suficientes. Tente de novo.
>>>>
>>>> Abracos (com)provaveis,
>>>> Valeria
>>>>
>>>>
>>>>
>>>> 2011/11/9 Joao Marcos <botoc...@gmail.com>:
>>>> > ["Disclaimer":
>>>> > esta mensagem representa apenas a minha _opinião_ (e a outra opinião
>>>> > de que outra pessoa ela poderia representar?), que eu gostaria de
>>>> > defender sem que ninguém se sentisse agredido com isto.]
>>>> >
>>>> >
>>>> > PessoALL:
>>>> >
>>>> > Sei que a maior parte das pessoas não vai se dar ao trabalho de ler
>>>> > esta longa mensagem.  Mas ficam registrados os argumentos --- quem
>>>> > sabe ao menos encontrarão tolerantes e bem dispostos leitores futuros?
>>>> >
>>>> > Agradeço as respostas enviadas, na lista ou em privado.  Vou tentar
>>>> > não ficar me alongando sobre o assunto em inúmeras réplicas, até
>>>> > porque não sou tão presunçoso a ponto de imaginar que um quixote
>>>> > sozinho possa mudar a terminologia de uma área --- supondo que ela já
>>>> > esteja de fato "bem estabelecida no Brasil", como alguns parecem
>>>> > acreditar.  Acresço portanto apenas algumas breves clarificações sobre
>>>> > o que eu disse anteriormente, e respondo alguns dos pontos principais
>>>> > levantados pelos colegas.
>>>> >
>>>> >
>>>> > (0) Não tenho dúvida de que é mais fácil não fazer nada, permanecer
>>>> > acomodado ou até mesmo fingir que nunca ouvi falar do assunto do que
>>>> > realmente rever sistematicamente, de caso pensado, algumas das nossas
>>>> > práticas linguísticas.  Se um caso de sucesso pode ser relatado,
>>>> > contudo, posso eu próprio dizer que há vários anos abandonei a palavra
>>>> > "prova" _em Lógica_, e hoje posso afirmar, com orgulho,que o vício
>>>> > está inteiramente superado!  (Como é que diz mesmo a "irmandade do
>>>> > AA", neste tipo de situação?)  ;-)
>>>> >
>>>> > Quem trabalha em Ciência frequentemente se depara com dificuldades de
>>>> > cunho linguístico, algumas das quais se desvanecem simplesmente ao
>>>> > passarmos de uma língua natural para outra.  O pessoal do Direito está
>>>> > sempre se chateando com o fato de que as pessoas em português
>>>> > confundem "right" e "Law" (ambas palavras que podem ser traduzidas
>>>> > como "direito"), ou "legal" e "nice" (essa confusão só acontece no
>>>> > Brasil, onde o primeiro termo é uma gíria conhecida).  O pessoal da
>>>> > Psiquiatria, por outro lado, precisa ter muito cuidado para não
>>>> > confundir "consciência" (= "conscience") com "consciência" (=
>>>> > "consciousness").  Por sorte (?) o primeiro termo (conscience!) está
>>>> > relacionado com um estado de "consciência" (consciousness?) também
>>>> > conhecido como "vigília".  E por aí vai...
>>>> >
>>>> > É claro que não estou sugerindo que o Português seria o "exemplo
>>>> > paradigmático de pobreza linguística" (bom, o Português Científico é
>>>> > de fato razoavelmente pobre, e a culpa disso é em parte nossa, como
>>>> > tenho apontado).  Em Inglês / Francês, por exemplo, também nos faz
>>>> > falta muitas distinções importantes que para nós estão claras e são
>>>> > fundamentais, a começar da diferença verbal entre "ser" e "estar"...
>>>> > A "busca da língua perfeita" animou sempre bastante gente --- e o
>>>> > Umberto Eco tem um belo livro a respeito.
>>>> >
>>>> > Tenho, devo dizer, uma tese (hipótese?) de que muita "Má Filosofia"
>>>> > [mais uma vez, a terminologia que uso aqui é obviamente
>>>> > idiossincrática] tem como origem justamente algumas instâncias[*] de
>>>> > pobreza linguística que levam as pessoas pensar que _isto_ é ^aquilo^
>>>> > simplesmente por que as duas coisas são circunstancialmente chamadas
>>>> > pelo mesmo nome, em um dado idioma...  Mas não se preocupem, não vou
>>>> > defender esta (hiper/hipo)tese aqui.  Não agora. :-)
>>>> >
>>>> >
>>>> > (1) Sobre a curiosa observação de que "não dá para proibir termos
>>>> > consagrados pelo uso", esclareço: não propus _proibir_ nada, apenas
>>>> > apontei o ^equívoco^ da escolha, "consagrada" ou não, de certos
>>>> > termos, em campos específicos de estudo em que estes termos _precisam_
>>>> > ser bem escolhidos / esclarecidos.
>>>> >
>>>> > Em Computação, aliás, esse tipo de equívoco acontece o tempo todo,
>>>> > justamente graças a uma certa leviandade daqueles que têm nas mãos o
>>>> > poder de *decidir as coisas*.  Foi assim que assistimos nos últimos
>>>> > anos a introdução do termo "deletar" na língua brasileira, importado
>>>> > do latim por uma via bastante oblíqua: a língua inglesa.  Pior, graças
>>>> > à Microsoft tivemos que aprender, por exemplo, que "gravar" se diz
>>>> > "salvar" (to save), no Português 3.1.  (A empresa Corel ainda tentou
>>>> > enfrentar a onda, e insistiu longamente no "gravar", mas não adiantou
>>>> > muito.)  Distanciando-me do estritamente informático, já estou quase
>>>> > me acostumando, também, com o fato de que o meu GPS quando ligado fica
>>>> > "adquirindo satélites" (to acquire)...  Sem contar aqueles barbarismos
>>>> > (no sentido linguístico da palavra) dos brasileiros que ficaram muito
>>>> > tempo fora do país, e que acabam dizendo (em "portanglês") que vão
>>>> > "aplicar" para uma certa universidade, ou outras coisas do gênero.  A
>>>> > gente vai acrioulando a nossa língua, é natural.  Longe de mim lutar
>>>> > contra um princípio evolutivo ("liberal"?) tão básico.
>>>> >
>>>> > Por sorte, no caso que aqui nos interessa, os termos "prova" e
>>>> > "demonstração" estão ambos aí, dando sopa na nossa língua.  E um deles
>>>> > parece _mais adequado_ do que o outro, pelos motivos já apresentados,
>>>> > para descrever em Bom Português o objeto de estudo principal da
>>>> > Beweistheorie (que nasceu em Bom Alemão).
>>>> >
>>>> > Não obstante, vale insistir que os cientistas têm mesmo o poder (e de
>>>> > certa forma, também o dever) de _decidir coisas_ nas suas áreas, e em
>>>> > particular eles *deveriam zelar* pelo estabelecimento de uma
>>>> > ^terminologia sã^, nas suas línguas nativas.  Devagar e sem forçar ---
>>>> > e sem vandalizar a Wikipédia, por exemplo.  Basta querer! (estando
>>>> > primeiro convencidos de que se trata de uma tarefa importante, claro)
>>>> >
>>>> > Ah, e como há pouquíssima gente fazendo o que nós fazemos (Ciência, e
>>>> > um tipo muito particular de Ciência, e às vezes apenas trabalhando em
>>>> > uma sub-sub-área muito específica deste tipo particular de Ciência),
>>>> > bastaria mudar o hábito linguístico de algumas poucas, muito poucas,
>>>> > "autoridades", e ---zás-trás--- estabeleceríamos juntos uma nova
>>>> > prática linguística em dois tempos!  (Por acreditar neste tipo de
>>>> > fantasia é que eu acho que vale a pena gastar tempo discutindo estas
>>>> > coisas aqui.)  Que pena que a maior parte dos cientistas, contudo,
>>>> > prefira se furtar à responsabilidade que têm, queiram ou não, sobre
>>>> > esta realidade, e se alhear a este tipo tão saudável de debate!
>>>> >
>>>> >
>>>> > (2) O argumento da eufonia (do tipo "sempre usei a palavra 'prova',
>>>> > que me soa bem, e não é agora que eu vou conseguir mudar este hábito")
>>>> > me parece particularmente fraco.  Se nos convencermos de que uma
>>>> > mudança terminológica é bem justificada e bem-vinda, sem dúvida
>>>> > faremos o _esforço_ necessário, paulatinamente, para estabelecê-la!
>>>> > Testemunhem por exemplo o esforço que os biólogos evolucionistas tem
>>>> > que fazer, cotidianamente, para se livrar do hábito linguístico
>>>> > teleológico ---mais uma má contribuição histórica da
>>>> > filosofia/teologia--- ao tratar das funções dos órgãos e organismos...
>>>> >
>>>> > Digo mais.  Se eu for usar apenas as palavras que me soam bem, vou
>>>> > transformar metade da língua brasileira em "xodó", "cangote",
>>>> > "cafuné", "pipoca" ou "bunda", e torná-la por conseguinte bastante
>>>> > estrangeira no resto do mundo lusófono.  De fato, estas são palavras
>>>> > que me soam muitíssimo bem, e têm para mim conotações extremamente
>>>> > positivas.  Digo-as com imenso prazer.  Infelizmente, elas são quase
>>>> > sempre inadequadas como substitutas dos termos técnicos que eu preciso
>>>> > usar na minha prática profissional...
>>>> >
>>>> >
>>>> > (3) Não sei de onde exatamente teria saído a tal distinção entre
>>>> > "demonstration" (que segundo vocês significaria "demonstração com
>>>> > premissas") e "proof" (que significaria "demonstração sem premissas").
>>>> >  Não me parece de forma alguma consolidada na área, certamente não em
>>>> > inglês...  Em particular, não me surpreenderia receber (de novo, pois
>>>> > de fato já aconteceu comigo) um teorema corrigido por um parecerista
>>>> > anglófono, e que de maneira tão tipicamente anglófona protestasse
>>>> > contra um termo latino _tão complicado e desnecessário_ como
>>>> > "demonstration" e indicasse:
>>>> >> technically, this is called "proof", my friend!
>>>> > Em inglês, justamente de forma *oposta* ao que ocorre nas línguas
>>>> > latinas, e na nossa língua em particular, "demonstration" é usado com
>>>> > muito mais frequência justamente para a "apresentação de evidências",
>>>> > por exemplo, em um tribunal...  Mais um sinal, aliás, de que o termo
>>>> > "prova" é uma má escolha, em português, quando o assunto matemática, e
>>>> > principalmente lógica!
>>>> >
>>>> > Agora, mesmo que eu não discordasse do que foi dito sobre a prática
>>>> > linguística da linguagem anglo-matemática (what the h*** do I know
>>>> > about it?), o argumento que foi apresentado sobre "demonstration"
>>>> > consistindo em um "demonstração com premissas" ---da qual o caso sem
>>>> > premissas ("proof") é obviamente um caso particular--- só parece
>>>> > trazer _reforço_ à proposta de que "Proof Theory" é a teoria que
>>>> > estuda justamente os primeiros objetos, mais gerais, que vocês mesmos
>>>> > preferem chamar "demonstrations", e eu proponho chamar
>>>> > "demonstrações"...
>>>> >
>>>> >
>>>> > (4) Por fim, insisto que não propus "abandonarmos a palavra prova" ou
>>>> > o seu uso (seja lá qual seja) em ciências formais.  Só o que eu disse
>>>> > é que no discreto ramo da lógica contemporânea conhecido como *Teoria
>>>> > das Demonstrações* (que os matemáticos praticantes em geral ignoram
>>>> > por completo, e da qual poucos sequer ouviram falar, e que certamente
>>>> > ainda conta com pouquíssimas publicações realmente representativas na
>>>> > nossa língua) precisamos de termos técnicos precisos e cuidadosamente
>>>> > projetados/escolhidos, pois as "demonstrações", as proposições
>>>> > "demonstráveis" e a própria noção de "demonstrabilidade" são seus
>>>> > _objetos de estudo_!  Eu em particular costumo dizer que
>>>> > "demonstrações" são coisas muito amplas, e ensino meus alunos a
>>>> > construir "derivações" em "sistemas formais" precisos, com
>>>> > "formalismos dedutivos" escolhidos a dedo.  Sim, e ao menos durante o
>>>> > semestre em que eles estudam comigo ficam proibidos de usar a palavra
>>>> > "prova" para outra coisa que não a "avaliação" na qual eles precisam
>>>> > provar que aprenderam alguma coisa! ];-b  Pior ainda: conforme
>>>> > constatei recentemente, estes mesmos alunos saem das minhas aulas e
>>>> > levam para casa o hábito de usar esta terminologia, e acham realmente
>>>> > esquisito falar em "provas matemáticas"...  Que estrago!
>>>> >
>>>> > Não quero passar a impressão errada.  O problema geral de *escolher
>>>> > uma boa terminologia*, obviamente, também aparece em Inglês
>>>> > Internacional, a atual língua franca da Ciência.  Na área da Teoria
>>>> > das Demonstrações, aprecio bastante, em particular, as escolhas feitas
>>>> > pelo pessoal da "inferência profunda", que deixam claro por exemplo a
>>>> > diferença entre _metodologias_, _formalismos_, _sistemas dedutivos_ e
>>>> > _lógicas_ (http://alessio.guglielmi.name/res/cos/index.html)  É mesmo
>>>> > uma pena que na realidade que temos hoje ^percamos na tradução^ boa
>>>> > parte desta sofisticação conceitual, por mera falta de cuidado ou
>>>> > preguiça mental...
>>>> >
>>>> > % % %
>>>> >
>>>> > No começo do século XX, muitos textos chamavam "logística" o que nós
>>>> > hoje não hesitamos em chamar "lógica".  Leiam Couturat, leiam
>>>> > Poincaré...  Quem ainda usaria tal terminologia, hoje em dia?
>>>> >
>>>> > Não faz muito tempo, na nossa área, as pessoas se digladiaram para
>>>> > decidir como ficaria o nome em inglês do objeto de estudo da
>>>> > revolucionária *Mengenlehre*.  De Cantor a Von Neumann, a literatura
>>>> > da época se escrevia majoritariamente em Bom Alemão.  Em inglês a
>>>> > palavra "collection" parecia demasiado geral para traduzir Menge, a
>>>> > palavra "multiplicidade" parecia inadequada, as palavras "kind" e
>>>> > "sort" pareciam contaminadas de significado filosófico indesejável, a
>>>> > história do termo "class" foi bastante complexa e seu uso moderno
>>>> > parecia não estar muito de acordo com o uso consagrado que a palavra
>>>> > recebia na literatura escolástica latina, e por algum tempo a palavra
>>>> > "aggregate" esteve ganhando por uma cabeça de vantagem.  É ela que
>>>> > aparece, por exemplo, na tradução que Jourdain publicou do texto de
>>>> > Cantor em 1915.  Sabemos hoje que "set" foi a terminologia vitoriosa,
>>>> > por algum motivo ou por outro.  Mas aparentemente não se encontram
>>>> > "sets" no Principia Mathematica de Russell & Whitehead, ou mesmo nos
>>>> > escritos lógico-históricos de Prior, de 1949, ou no Methods of Logic
>>>> > de Quine, de 1950 (http://www.logicmuseum.com/cantor/Classes.htm).
>>>> > Com a massa crítica relativamente recente de literatura anglófona
>>>> > sobre o assunto, contudo, a terminologia finalmente foi clarificada e
>>>> > fixada.  (Curiosamente, a palavra "set" parece ter sido originalmente
>>>> > importada para o inglês a partir de uma palavra francesa/franca
>>>> > antiga, "sette" --- ou pelo menos li isso em um texto do Roger Jones.)
>>>> >
>>>> > A nossa massa crítica em português é infelizmente reduzida, e
>>>> > aparentemente composta de pesquisadores que antes preferem decretar a
>>>> > "morte" da discussão do que levar seriamente em consideração a opinião
>>>> > de seu oponente.  E certamente há pouca concordância (e por que
>>>> > deveria haver concordância universal sobre o que quer que seja?).  Por
>>>> > exemplo, o mesmo termo "truth-functional" que alguns chamam
>>>> > "verofuncional" outros chamam "funcional-veritativo", o mesmo
>>>> > "soundness" que aparece como "correção" outras vezes aparece como
>>>> > "corretude", und so weiter.  Haverá escolhas melhores do que outras,
>>>> > nestes casos?  Parece que um dia perguntaram ao Gödel, quando ele
>>>> > tinha acabado de se mudar para os EUA, como ele traduziria o resultado
>>>> > do seu "Unvollständigkeitssatz", e ele sugeriu "incompleteness".  A
>>>> > força da autoridade somada à força do hábito fez seu estrago, e até
>>>> > hoje tratamos por "teoremas de incompletude" aqueles teoremas que
>>>> > demonstram na verdade uma coisa muito mais geral, a saber a
>>>> > *incompletabilidade* de teorias aritméticas!
>>>> >
>>>> > É notável como muitas vezes aquilo que se traveste como uma questão de
>>>> > mera _estipulação_ na verdade esconde antes de mais nada um trabalho
>>>> > de ^esclarecimento conceitual^ --- e que por isso mesmo já me
>>>> > pareceria importante.  Talvez ainda permaneçamos alguns séculos
>>>> > discutindo como traduzir _bem_ "Sinn" e "Bedeutung", ou "proof",
>>>> > talvez por um bom motivo, talvez por pura teimosia.  Talvez a
>>>> > discussão sobre o assunto que levantei aqui morra aqui mesmo.  Na
>>>> > presente troca de mensagens, por exemplo, os especialistas que se
>>>> > manifestaram em geral se mostraram reticentes ou extremamente
>>>> > conservadores, e poucos outros participantes da lista de fato se deram
>>>> > ao trabalho de opinar.  Poucos _argumentos_ mais decisivos parecem ter
>>>> > sido apresentados, ao final, até onde pude perceber.
>>>> >
>>>> > % % %
>>>> >
>>>> > O tema geral aqui é o estabelecimento de uma terminologia decente
>>>> > ("decente" em um sentido técnico bastante preciso) *em português*.
>>>> > Este é sem dúvida um problema que nunca precisamos enfrentar quando
>>>> > escrevemos a maior parte dos nossos papers (nossos papéis?) em inglês,
>>>> > ou quando vivemos fora do mundo lusófono...  Mas é um tema bastante
>>>> > presente, no entanto, e de fato _premente_, na vida de pessoas (como
>>>> > eu!) que se metem a traduzir longos textos técnicos para português ou
>>>> > mesmo produzir material original e escrever manuais de Lógica para
>>>> > fruição do público brasileiro e português.
>>>> >
>>>> > Com relação ao que podemos fazer para ajudarmos os nossos alunos a não
>>>> > se perderem na selva de terminologias ---e notações--- da literatura,
>>>> > creio que o mais racional seria simplesmente tentar mencionar para
>>>> > eles aquelas que são mais difundidas ou importantes, seja na
>>>> > literatura estrangeira seja naquela mais local (vá um aluno tentar
>>>> > adivinhar que a tradução para "correção" é "soundness", ou tentar
>>>> > entender a notação padrão para substituição, A[t/x], que só faz
>>>> > sentido na cabeça de quem nasceu e cresceu pensando em inglês).
>>>> >
>>>> > Finalmente, no que diz respeito à nossa inépcia linguística geral e ao
>>>> > nosso trogloditismo, não me parece, infelizmente, que ela esteja
>>>> > circunscrita ao mundo da Ciência ---haja vista os exemplos que ofereci
>>>> > no ponto (1) acima.  Usa-se muito mal a língua, pra todo lado, e a
>>>> > justificativa de que "escrevemos os nossos artigos em inglês" não
>>>> > explica o fenômeno generalizado.  No entanto, parece-me muito mais
>>>> > grave o fenômeno no caso dos cientistas que não acreditam ser
>>>> > necessário "dar o bom exemplo".
>>>> >
>>>> > Vamos então continuar fazendo ao menos a nossa parte.  E tentando
>>>> > angariar adeptos para a Revolução. :-)
>>>> >
>>>> > Abraços demonstrados,
>>>> > Joao Marcos
>>>> >
>>>> >
>>>> > [*] Os dicionários de português que consultei dizem que o termo
>>>> > "instância", no significado aqui empregado, é um neologismo
>>>> > informático --- sem dúvida um neologismo _necessário_, vocês não
>>>> > concordam?
>>>> >
>>>> > PS: Agradeço em particular a Valeria e Elaine, queridas amigas de quem
>>>> > *dis*cordo "em gênero, número e grau", por se disporem a trazer para a
>>>> > lista um tema que já discutimos no passado em privado, separadamente,
>>>> > tornando desta vez públicos os seus sentimentos a respeito destas
>>>> > coisas.  E a Andrea agradeço o cuidado erudito de quem já gastou
>>>> > fosfato escolhendo terminologia a usar em competentes traduções
>>>> > publicadas na língua brasileira!
>>>> >
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