Caro João Marcos e colegas,

Não preciso repetir que admiro profundamente o seu compromisso com o conhecimento e a sua imensa disposição em defender este compromisso. Só posso me sentir um privilegiado em poder ser um seu interlocutor. Se respondo ao seu e-mail, não é por implicância nem perseguição, mas por respeito, porque compartilho com você o sentimento de importância que o esclarecimento conceitual tem para a nossa disciplina.

Quanto ao assunto terminológico específico, faço três semibreves comentários.

(1) Concordo que o esclarecimento conceitual deva sempre ser por nós exercido. Concordo também que este esclarecimento envolva escolhas vocabulares. Mas as escolhas vocabulares são tão importantes para o esclarecimento conceitual quanto o direito é importante para a ética. Certamente conhecer muito sobre direito será de algum benefício para quem reflete sobre a ética, porque ali temos casos, exemplos, aplicações, usos,... mas nenhum ponto jurídico resolverá qualquer questão de ética. A ética é (ou pretende ser) anterior ao direito. O mesmo ocorre com o vocabulário. Certamente ter um bom vocabulário, conhecer e aplicar as definições e distinções de dicionário sobre as palavras é benéfico para quem busca esclarecimento conceitual. Mas nenhuma escolha vocabular resolverá qualquer esclarecimento conceitual. O esclarecimento conceitual é anterior ao vocabulário.

(2) Quanto à polêmica "prova x demonstração", vou tentar argumentar conceitualmente em favor do uso da palavra prova. Se entendi bem, você não gosta do uso da palavra prova como sinônimo de demonstração porque considera que a palavra prova é mais fortemente sinônimo da palavra evidência do que o é da palavra demonstração. Se é assim, então, até aqui, eu concordo com você. Entendo e uso a palavra prova como sinônimo de ambas, demonstração e evidência, mas intuitivamente reconheço (não sei se corretamente) que na linguagem ordinária os usos de prova como sinônimo de evidência parecem superar em número seus usos como sinônimo de demonstração. No entanto, numa mensagem anterior você escreveu:

> É claro que se você quiser, por isso mesmo, traduzir literalmente
> "Proof Theory" como "Teoria da Evidência" terá o direito de fazê-lo.
> Mas produzirá um monstro ainda pior do que "Teoria da Prova".

Bem, aqui eu discordo de você. Não acho que a expressão "Teoria da Evidência" como tradução de "Proof Theory" represente qualquer erro conceitual. Em última instância, uma prova/demonstração é prova/evidência e, mais ainda, não só é o único tipo de evidência pertinente em matemática, como é o único tipo de evidência que parece requerer uma teoria. Qualquer outro tipo de evidência deve ser algo imediatamente acessível, pré-teórico. Então não vejo onde está o monstro. As demonstrações são as evidências para tudo o que não está (ou não é) imediatamente acessível, tal como a pertinência ou validade de certos argumentos. Bem, a palavra prova cumpre bem este papel, de ser demonstração e de ser evidência. As derivações que fazemos nos sistemas formais pretendem ser expressões para estas coisas que são demonstrações e que são evidências, ou seja, que são provas.

(3) Mas, apesar disso, devo admitir, "Teoria das Demonstrações" é não só mais bonito que Teoria da Prova (ou da Evidência), como é mais próximo do padrão das outras áreas (Teoria dos Conjuntos, Teoria dos Modelos, Teoria dos Tipos,...). No entanto, do ponto de vista conceitual, a expressão "Teoria das Provas" seria igualmente boa, talvez até mais pertinente, embora soe a mim horrorosa :)

Saudações,
Daniel

[PS] UMA DIGRESSÃO LÚDICA: usei de propósito a palavra semibreve quando adjetivei meus comentários: "comentários semibreves". Talvez você e a maioria dos colegas tenha entendido minha afirmação como: "comentários um pouco mais longos do que o seriam se fossem comentários breves". Quem entendeu assim, entendeu o que eu quis comunicar. Mas a expressão que eu usei é ambígua. Semi indica "a metade", ou "um tanto". Mas 'a metade' de 'breve' é MAIS breve do que 'breve' ou é MENOS breve do que 'breve'? Eu não sei. Em música, por exemplo, uma nota semibreve tem a metade da duração de uma nota breve. Então, neste sentido musical, um comentário semibreve deveria ser ainda mais rápido do que um comentário breve. Vocabulário, vocabulário,... :)

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