Vamos ver se entendo o ponto.  A ideia seria usar a palavra "prova"
para designar as "construções" (dentre as quais as chamadas _árvores
de derivação_) e "transformações" (o tal _componente computacional_
que pretendemos enfatizar) que são objeto de estudo da "Teoria das
Demonstrações".  É essa a proposta?

Valerá de todo modo a pena acrescentar a tudo isto, como apontei
antes, a cuidadosa escolha terminológica feita pelo pessoal da
"inferência profunda"
(http://alessio.guglielmi.name/res/cos/index.html), que deixam claro
por exemplo a diferença entre *metodologias* ("inferência rasa" e
"inferência profunda") e *formalismos* ("axiomático", "dedução
natural", "cálculo de sequentes" etc) que expressam *sistemas
dedutivos* para as diversas lógicas ("lógica clássica", "lógica
intuicionista" etc).

JM

2011/11/13 Ruy de Queiroz <r...@cin.ufpe.br>:
> Acrescento um exemplo relevante: apesar do termo "théorie de la
> démonstration" ser usado em francês, veja como se intitula o laboratório de
> Jussieu que faz pesquisa em teoria da prova no que se relaciona com a
> computação:
>
> Laboratoire
>
> Preuves, Programmes et Systèmes
>
> Ruy
> Em 13 de novembro de 2011 07:50, Ruy de Queiroz <r...@cin.ufpe.br> escreveu:
>>
>> Caro João Marcos,
>> Louvo teu esforço (hercúleo, por sinal) em tentar estabelecer uma
>> terminologia para uma área que já tem uma (bem) estabelecida. Concordo com
>> Valéria: há um limite para a discussão sobre terminologia. Francamente, os
>> argumentos em favor de "demonstração" não me convencem.
>> Como já te disse em mensagem anterior, considero o termo "prova" mais
>> adequado. Soaria no mínimo estranho o uso de "demonstração" para traduzir
>> diversos termos já consolidados como: "proof object" (concordo com Elaine),
>> "proof construction", "proofs as programs", "proof system", "zero-knowledge
>> proof" (e, nesse contexto, "prover" versus "verifier"), "proof term", etc.
>> Um abraço,
>> Ruy
>>
>> Em 10 de novembro de 2011 05:23, Valeria de Paiva
>> <valeria.depa...@gmail.com> escreveu:
>>>
>>> oi Joao Marcos,
>>> eu sabia que essa ia dar panos pra manga....
>>>
>>> Ok, vamos la:
>>> (0) Nao corro da raia e concordo plenamente que precisamos discutir
>>> assuntos como a terminologia da area em que trabalhamos, mas nao
>>> podemos exagerar, ne?
>>>
>>> (1)
>>> >Sobre a curiosa observação de que "não dá para proibir termos
>>> > consagrados pelo uso"...
>>> eu tb esclareço que nao disse isso. Disse que pra mim 'e o uso que
>>> determina a lingua e nao pronunciamentos, seja de quem for. (Ainda que
>>> eu concorde que 'e necessario batalhar contra usos que nos parecam
>>> pouco apropriados, no final das contas vence o que o povo resolver
>>> usar. Pra matematica e pra tudo mais na lingua. )
>>>
>>> (2)  o argumento da eufonia pra mim nao 'e tao importante.
>>>
>>> (3)
>>> >Não sei de onde exatamente teria saído a tal distinção entre
>>> >"demonstration" (que segundo vocês significaria "demonstração com
>>> >premissas") e "proof" (que significaria "demonstração sem premissas").
>>>
>>> bom, pra mim saiu  do pai de todos,  "Natural Deduction:  a proof
>>> theoretical study, Dag Prawitz", pagina 24, linha -3, na edicao da
>>> Dover. Exceto que , como a Andrea corrigiu 'e distinção entre
>>> "deduction" and "proof".
>>>
>>> (4)
>>>  >no discreto ramo da lógica contemporânea conhecido como *Teoria
>>> > das Demonstrações* (que os matemáticos praticantes em geral ignoram
>>> > por completo, e da qual poucos sequer ouviram falar, e que certamente
>>> > ainda conta com pouquíssimas publicações realmente representativas na
>>> > nossa língua) precisamos de termos técnicos precisos e cuidadosamente
>>> > projetados/escolhidos, pois as "demonstrações", as proposições
>>> > "demonstráveis" e a própria noção de "demonstrabilidade" são seus
>>> > _objetos de estudo_!
>>>
>>> Sim, concordamos em genero, numero e grau (com pedidos de desculpas
>>> pela falta de um teclado competente que faca os acentos necessarios!)
>>> com:
>>>
>>> 1. o fato de que poucos matematicos sequer ouviram falar da teoria em
>>> questao
>>> 2.  que esta conta com pouquissimas publicações (cortar-e-colar
>>> funciona...) representativas na nossa lingua;
>>>  e principalmente com
>>> 3. "precisamos de termos técnicos precisos e cuidadosamente
>>> projetados/escolhidos, pois as "demonstrações", as proposições
>>> "demonstráveis" e a própria noção de "demonstrabilidade" são seus
>>> _objetos de estudo_!"
>>>
>>> Sim! Exatamente. mas eu posso chamar as demonstracoes de "provas" e a
>>> "Teoria das demonstrações" de "teoria da prova" pois acho que "Teoria
>>> da Prova" e' um nome tao bom quanto o inicial.
>>>
>>> Nao me sinto agredida de forma alguma pela mensagem, mas tambem (dessa
>>> vez somente, normalmente voce me convence...) nao estou convencida de
>>> que a mudanca de terminologia e' necessaria nesse caso. Os argumentos
>>> apresentados nao foram suficientes. Tente de novo.
>>>
>>> Abracos (com)provaveis,
>>> Valeria
>>>
>>>
>>>
>>> 2011/11/9 Joao Marcos <botoc...@gmail.com>:
>>> > ["Disclaimer":
>>> > esta mensagem representa apenas a minha _opinião_ (e a outra opinião
>>> > de que outra pessoa ela poderia representar?), que eu gostaria de
>>> > defender sem que ninguém se sentisse agredido com isto.]
>>> >
>>> >
>>> > PessoALL:
>>> >
>>> > Sei que a maior parte das pessoas não vai se dar ao trabalho de ler
>>> > esta longa mensagem.  Mas ficam registrados os argumentos --- quem
>>> > sabe ao menos encontrarão tolerantes e bem dispostos leitores futuros?
>>> >
>>> > Agradeço as respostas enviadas, na lista ou em privado.  Vou tentar
>>> > não ficar me alongando sobre o assunto em inúmeras réplicas, até
>>> > porque não sou tão presunçoso a ponto de imaginar que um quixote
>>> > sozinho possa mudar a terminologia de uma área --- supondo que ela já
>>> > esteja de fato "bem estabelecida no Brasil", como alguns parecem
>>> > acreditar.  Acresço portanto apenas algumas breves clarificações sobre
>>> > o que eu disse anteriormente, e respondo alguns dos pontos principais
>>> > levantados pelos colegas.
>>> >
>>> >
>>> > (0) Não tenho dúvida de que é mais fácil não fazer nada, permanecer
>>> > acomodado ou até mesmo fingir que nunca ouvi falar do assunto do que
>>> > realmente rever sistematicamente, de caso pensado, algumas das nossas
>>> > práticas linguísticas.  Se um caso de sucesso pode ser relatado,
>>> > contudo, posso eu próprio dizer que há vários anos abandonei a palavra
>>> > "prova" _em Lógica_, e hoje posso afirmar, com orgulho,que o vício
>>> > está inteiramente superado!  (Como é que diz mesmo a "irmandade do
>>> > AA", neste tipo de situação?)  ;-)
>>> >
>>> > Quem trabalha em Ciência frequentemente se depara com dificuldades de
>>> > cunho linguístico, algumas das quais se desvanecem simplesmente ao
>>> > passarmos de uma língua natural para outra.  O pessoal do Direito está
>>> > sempre se chateando com o fato de que as pessoas em português
>>> > confundem "right" e "Law" (ambas palavras que podem ser traduzidas
>>> > como "direito"), ou "legal" e "nice" (essa confusão só acontece no
>>> > Brasil, onde o primeiro termo é uma gíria conhecida).  O pessoal da
>>> > Psiquiatria, por outro lado, precisa ter muito cuidado para não
>>> > confundir "consciência" (= "conscience") com "consciência" (=
>>> > "consciousness").  Por sorte (?) o primeiro termo (conscience!) está
>>> > relacionado com um estado de "consciência" (consciousness?) também
>>> > conhecido como "vigília".  E por aí vai...
>>> >
>>> > É claro que não estou sugerindo que o Português seria o "exemplo
>>> > paradigmático de pobreza linguística" (bom, o Português Científico é
>>> > de fato razoavelmente pobre, e a culpa disso é em parte nossa, como
>>> > tenho apontado).  Em Inglês / Francês, por exemplo, também nos faz
>>> > falta muitas distinções importantes que para nós estão claras e são
>>> > fundamentais, a começar da diferença verbal entre "ser" e "estar"...
>>> > A "busca da língua perfeita" animou sempre bastante gente --- e o
>>> > Umberto Eco tem um belo livro a respeito.
>>> >
>>> > Tenho, devo dizer, uma tese (hipótese?) de que muita "Má Filosofia"
>>> > [mais uma vez, a terminologia que uso aqui é obviamente
>>> > idiossincrática] tem como origem justamente algumas instâncias[*] de
>>> > pobreza linguística que levam as pessoas pensar que _isto_ é ^aquilo^
>>> > simplesmente por que as duas coisas são circunstancialmente chamadas
>>> > pelo mesmo nome, em um dado idioma...  Mas não se preocupem, não vou
>>> > defender esta (hiper/hipo)tese aqui.  Não agora. :-)
>>> >
>>> >
>>> > (1) Sobre a curiosa observação de que "não dá para proibir termos
>>> > consagrados pelo uso", esclareço: não propus _proibir_ nada, apenas
>>> > apontei o ^equívoco^ da escolha, "consagrada" ou não, de certos
>>> > termos, em campos específicos de estudo em que estes termos _precisam_
>>> > ser bem escolhidos / esclarecidos.
>>> >
>>> > Em Computação, aliás, esse tipo de equívoco acontece o tempo todo,
>>> > justamente graças a uma certa leviandade daqueles que têm nas mãos o
>>> > poder de *decidir as coisas*.  Foi assim que assistimos nos últimos
>>> > anos a introdução do termo "deletar" na língua brasileira, importado
>>> > do latim por uma via bastante oblíqua: a língua inglesa.  Pior, graças
>>> > à Microsoft tivemos que aprender, por exemplo, que "gravar" se diz
>>> > "salvar" (to save), no Português 3.1.  (A empresa Corel ainda tentou
>>> > enfrentar a onda, e insistiu longamente no "gravar", mas não adiantou
>>> > muito.)  Distanciando-me do estritamente informático, já estou quase
>>> > me acostumando, também, com o fato de que o meu GPS quando ligado fica
>>> > "adquirindo satélites" (to acquire)...  Sem contar aqueles barbarismos
>>> > (no sentido linguístico da palavra) dos brasileiros que ficaram muito
>>> > tempo fora do país, e que acabam dizendo (em "portanglês") que vão
>>> > "aplicar" para uma certa universidade, ou outras coisas do gênero.  A
>>> > gente vai acrioulando a nossa língua, é natural.  Longe de mim lutar
>>> > contra um princípio evolutivo ("liberal"?) tão básico.
>>> >
>>> > Por sorte, no caso que aqui nos interessa, os termos "prova" e
>>> > "demonstração" estão ambos aí, dando sopa na nossa língua.  E um deles
>>> > parece _mais adequado_ do que o outro, pelos motivos já apresentados,
>>> > para descrever em Bom Português o objeto de estudo principal da
>>> > Beweistheorie (que nasceu em Bom Alemão).
>>> >
>>> > Não obstante, vale insistir que os cientistas têm mesmo o poder (e de
>>> > certa forma, também o dever) de _decidir coisas_ nas suas áreas, e em
>>> > particular eles *deveriam zelar* pelo estabelecimento de uma
>>> > ^terminologia sã^, nas suas línguas nativas.  Devagar e sem forçar ---
>>> > e sem vandalizar a Wikipédia, por exemplo.  Basta querer! (estando
>>> > primeiro convencidos de que se trata de uma tarefa importante, claro)
>>> >
>>> > Ah, e como há pouquíssima gente fazendo o que nós fazemos (Ciência, e
>>> > um tipo muito particular de Ciência, e às vezes apenas trabalhando em
>>> > uma sub-sub-área muito específica deste tipo particular de Ciência),
>>> > bastaria mudar o hábito linguístico de algumas poucas, muito poucas,
>>> > "autoridades", e ---zás-trás--- estabeleceríamos juntos uma nova
>>> > prática linguística em dois tempos!  (Por acreditar neste tipo de
>>> > fantasia é que eu acho que vale a pena gastar tempo discutindo estas
>>> > coisas aqui.)  Que pena que a maior parte dos cientistas, contudo,
>>> > prefira se furtar à responsabilidade que têm, queiram ou não, sobre
>>> > esta realidade, e se alhear a este tipo tão saudável de debate!
>>> >
>>> >
>>> > (2) O argumento da eufonia (do tipo "sempre usei a palavra 'prova',
>>> > que me soa bem, e não é agora que eu vou conseguir mudar este hábito")
>>> > me parece particularmente fraco.  Se nos convencermos de que uma
>>> > mudança terminológica é bem justificada e bem-vinda, sem dúvida
>>> > faremos o _esforço_ necessário, paulatinamente, para estabelecê-la!
>>> > Testemunhem por exemplo o esforço que os biólogos evolucionistas tem
>>> > que fazer, cotidianamente, para se livrar do hábito linguístico
>>> > teleológico ---mais uma má contribuição histórica da
>>> > filosofia/teologia--- ao tratar das funções dos órgãos e organismos...
>>> >
>>> > Digo mais.  Se eu for usar apenas as palavras que me soam bem, vou
>>> > transformar metade da língua brasileira em "xodó", "cangote",
>>> > "cafuné", "pipoca" ou "bunda", e torná-la por conseguinte bastante
>>> > estrangeira no resto do mundo lusófono.  De fato, estas são palavras
>>> > que me soam muitíssimo bem, e têm para mim conotações extremamente
>>> > positivas.  Digo-as com imenso prazer.  Infelizmente, elas são quase
>>> > sempre inadequadas como substitutas dos termos técnicos que eu preciso
>>> > usar na minha prática profissional...
>>> >
>>> >
>>> > (3) Não sei de onde exatamente teria saído a tal distinção entre
>>> > "demonstration" (que segundo vocês significaria "demonstração com
>>> > premissas") e "proof" (que significaria "demonstração sem premissas").
>>> >  Não me parece de forma alguma consolidada na área, certamente não em
>>> > inglês...  Em particular, não me surpreenderia receber (de novo, pois
>>> > de fato já aconteceu comigo) um teorema corrigido por um parecerista
>>> > anglófono, e que de maneira tão tipicamente anglófona protestasse
>>> > contra um termo latino _tão complicado e desnecessário_ como
>>> > "demonstration" e indicasse:
>>> >> technically, this is called "proof", my friend!
>>> > Em inglês, justamente de forma *oposta* ao que ocorre nas línguas
>>> > latinas, e na nossa língua em particular, "demonstration" é usado com
>>> > muito mais frequência justamente para a "apresentação de evidências",
>>> > por exemplo, em um tribunal...  Mais um sinal, aliás, de que o termo
>>> > "prova" é uma má escolha, em português, quando o assunto matemática, e
>>> > principalmente lógica!
>>> >
>>> > Agora, mesmo que eu não discordasse do que foi dito sobre a prática
>>> > linguística da linguagem anglo-matemática (what the h*** do I know
>>> > about it?), o argumento que foi apresentado sobre "demonstration"
>>> > consistindo em um "demonstração com premissas" ---da qual o caso sem
>>> > premissas ("proof") é obviamente um caso particular--- só parece
>>> > trazer _reforço_ à proposta de que "Proof Theory" é a teoria que
>>> > estuda justamente os primeiros objetos, mais gerais, que vocês mesmos
>>> > preferem chamar "demonstrations", e eu proponho chamar
>>> > "demonstrações"...
>>> >
>>> >
>>> > (4) Por fim, insisto que não propus "abandonarmos a palavra prova" ou
>>> > o seu uso (seja lá qual seja) em ciências formais.  Só o que eu disse
>>> > é que no discreto ramo da lógica contemporânea conhecido como *Teoria
>>> > das Demonstrações* (que os matemáticos praticantes em geral ignoram
>>> > por completo, e da qual poucos sequer ouviram falar, e que certamente
>>> > ainda conta com pouquíssimas publicações realmente representativas na
>>> > nossa língua) precisamos de termos técnicos precisos e cuidadosamente
>>> > projetados/escolhidos, pois as "demonstrações", as proposições
>>> > "demonstráveis" e a própria noção de "demonstrabilidade" são seus
>>> > _objetos de estudo_!  Eu em particular costumo dizer que
>>> > "demonstrações" são coisas muito amplas, e ensino meus alunos a
>>> > construir "derivações" em "sistemas formais" precisos, com
>>> > "formalismos dedutivos" escolhidos a dedo.  Sim, e ao menos durante o
>>> > semestre em que eles estudam comigo ficam proibidos de usar a palavra
>>> > "prova" para outra coisa que não a "avaliação" na qual eles precisam
>>> > provar que aprenderam alguma coisa! ];-b  Pior ainda: conforme
>>> > constatei recentemente, estes mesmos alunos saem das minhas aulas e
>>> > levam para casa o hábito de usar esta terminologia, e acham realmente
>>> > esquisito falar em "provas matemáticas"...  Que estrago!
>>> >
>>> > Não quero passar a impressão errada.  O problema geral de *escolher
>>> > uma boa terminologia*, obviamente, também aparece em Inglês
>>> > Internacional, a atual língua franca da Ciência.  Na área da Teoria
>>> > das Demonstrações, aprecio bastante, em particular, as escolhas feitas
>>> > pelo pessoal da "inferência profunda", que deixam claro por exemplo a
>>> > diferença entre _metodologias_, _formalismos_, _sistemas dedutivos_ e
>>> > _lógicas_ (http://alessio.guglielmi.name/res/cos/index.html)  É mesmo
>>> > uma pena que na realidade que temos hoje ^percamos na tradução^ boa
>>> > parte desta sofisticação conceitual, por mera falta de cuidado ou
>>> > preguiça mental...
>>> >
>>> > % % %
>>> >
>>> > No começo do século XX, muitos textos chamavam "logística" o que nós
>>> > hoje não hesitamos em chamar "lógica".  Leiam Couturat, leiam
>>> > Poincaré...  Quem ainda usaria tal terminologia, hoje em dia?
>>> >
>>> > Não faz muito tempo, na nossa área, as pessoas se digladiaram para
>>> > decidir como ficaria o nome em inglês do objeto de estudo da
>>> > revolucionária *Mengenlehre*.  De Cantor a Von Neumann, a literatura
>>> > da época se escrevia majoritariamente em Bom Alemão.  Em inglês a
>>> > palavra "collection" parecia demasiado geral para traduzir Menge, a
>>> > palavra "multiplicidade" parecia inadequada, as palavras "kind" e
>>> > "sort" pareciam contaminadas de significado filosófico indesejável, a
>>> > história do termo "class" foi bastante complexa e seu uso moderno
>>> > parecia não estar muito de acordo com o uso consagrado que a palavra
>>> > recebia na literatura escolástica latina, e por algum tempo a palavra
>>> > "aggregate" esteve ganhando por uma cabeça de vantagem.  É ela que
>>> > aparece, por exemplo, na tradução que Jourdain publicou do texto de
>>> > Cantor em 1915.  Sabemos hoje que "set" foi a terminologia vitoriosa,
>>> > por algum motivo ou por outro.  Mas aparentemente não se encontram
>>> > "sets" no Principia Mathematica de Russell & Whitehead, ou mesmo nos
>>> > escritos lógico-históricos de Prior, de 1949, ou no Methods of Logic
>>> > de Quine, de 1950 (http://www.logicmuseum.com/cantor/Classes.htm).
>>> > Com a massa crítica relativamente recente de literatura anglófona
>>> > sobre o assunto, contudo, a terminologia finalmente foi clarificada e
>>> > fixada.  (Curiosamente, a palavra "set" parece ter sido originalmente
>>> > importada para o inglês a partir de uma palavra francesa/franca
>>> > antiga, "sette" --- ou pelo menos li isso em um texto do Roger Jones.)
>>> >
>>> > A nossa massa crítica em português é infelizmente reduzida, e
>>> > aparentemente composta de pesquisadores que antes preferem decretar a
>>> > "morte" da discussão do que levar seriamente em consideração a opinião
>>> > de seu oponente.  E certamente há pouca concordância (e por que
>>> > deveria haver concordância universal sobre o que quer que seja?).  Por
>>> > exemplo, o mesmo termo "truth-functional" que alguns chamam
>>> > "verofuncional" outros chamam "funcional-veritativo", o mesmo
>>> > "soundness" que aparece como "correção" outras vezes aparece como
>>> > "corretude", und so weiter.  Haverá escolhas melhores do que outras,
>>> > nestes casos?  Parece que um dia perguntaram ao Gödel, quando ele
>>> > tinha acabado de se mudar para os EUA, como ele traduziria o resultado
>>> > do seu "Unvollständigkeitssatz", e ele sugeriu "incompleteness".  A
>>> > força da autoridade somada à força do hábito fez seu estrago, e até
>>> > hoje tratamos por "teoremas de incompletude" aqueles teoremas que
>>> > demonstram na verdade uma coisa muito mais geral, a saber a
>>> > *incompletabilidade* de teorias aritméticas!
>>> >
>>> > É notável como muitas vezes aquilo que se traveste como uma questão de
>>> > mera _estipulação_ na verdade esconde antes de mais nada um trabalho
>>> > de ^esclarecimento conceitual^ --- e que por isso mesmo já me
>>> > pareceria importante.  Talvez ainda permaneçamos alguns séculos
>>> > discutindo como traduzir _bem_ "Sinn" e "Bedeutung", ou "proof",
>>> > talvez por um bom motivo, talvez por pura teimosia.  Talvez a
>>> > discussão sobre o assunto que levantei aqui morra aqui mesmo.  Na
>>> > presente troca de mensagens, por exemplo, os especialistas que se
>>> > manifestaram em geral se mostraram reticentes ou extremamente
>>> > conservadores, e poucos outros participantes da lista de fato se deram
>>> > ao trabalho de opinar.  Poucos _argumentos_ mais decisivos parecem ter
>>> > sido apresentados, ao final, até onde pude perceber.
>>> >
>>> > % % %
>>> >
>>> > O tema geral aqui é o estabelecimento de uma terminologia decente
>>> > ("decente" em um sentido técnico bastante preciso) *em português*.
>>> > Este é sem dúvida um problema que nunca precisamos enfrentar quando
>>> > escrevemos a maior parte dos nossos papers (nossos papéis?) em inglês,
>>> > ou quando vivemos fora do mundo lusófono...  Mas é um tema bastante
>>> > presente, no entanto, e de fato _premente_, na vida de pessoas (como
>>> > eu!) que se metem a traduzir longos textos técnicos para português ou
>>> > mesmo produzir material original e escrever manuais de Lógica para
>>> > fruição do público brasileiro e português.
>>> >
>>> > Com relação ao que podemos fazer para ajudarmos os nossos alunos a não
>>> > se perderem na selva de terminologias ---e notações--- da literatura,
>>> > creio que o mais racional seria simplesmente tentar mencionar para
>>> > eles aquelas que são mais difundidas ou importantes, seja na
>>> > literatura estrangeira seja naquela mais local (vá um aluno tentar
>>> > adivinhar que a tradução para "correção" é "soundness", ou tentar
>>> > entender a notação padrão para substituição, A[t/x], que só faz
>>> > sentido na cabeça de quem nasceu e cresceu pensando em inglês).
>>> >
>>> > Finalmente, no que diz respeito à nossa inépcia linguística geral e ao
>>> > nosso trogloditismo, não me parece, infelizmente, que ela esteja
>>> > circunscrita ao mundo da Ciência ---haja vista os exemplos que ofereci
>>> > no ponto (1) acima.  Usa-se muito mal a língua, pra todo lado, e a
>>> > justificativa de que "escrevemos os nossos artigos em inglês" não
>>> > explica o fenômeno generalizado.  No entanto, parece-me muito mais
>>> > grave o fenômeno no caso dos cientistas que não acreditam ser
>>> > necessário "dar o bom exemplo".
>>> >
>>> > Vamos então continuar fazendo ao menos a nossa parte.  E tentando
>>> > angariar adeptos para a Revolução. :-)
>>> >
>>> > Abraços demonstrados,
>>> > Joao Marcos
>>> >
>>> >
>>> > [*] Os dicionários de português que consultei dizem que o termo
>>> > "instância", no significado aqui empregado, é um neologismo
>>> > informático --- sem dúvida um neologismo _necessário_, vocês não
>>> > concordam?
>>> >
>>> > PS: Agradeço em particular a Valeria e Elaine, queridas amigas de quem
>>> > *dis*cordo "em gênero, número e grau", por se disporem a trazer para a
>>> > lista um tema que já discutimos no passado em privado, separadamente,
>>> > tornando desta vez públicos os seus sentimentos a respeito destas
>>> > coisas.  E a Andrea agradeço o cuidado erudito de quem já gastou
>>> > fosfato escolhendo terminologia a usar em competentes traduções
>>> > publicadas na língua brasileira!
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