Camaradas, espero q esta encontre vcs bem. 
Perdoem se me alongo um pouco nas mensagens, espero q não seja enfadonho.
Caro Ricardo, obrigado por mencionar o LibGen novamente, procurei o livro e 
achei! Da 1a vez eu deixei passar. 
Quanto às tuas dúvidas, longe de mim querer respondê-las, mas acho q tem um 
ponto aí q vale a pena desenvolver um pouco.


Desde que iniciei meu contato com a filosofia, sinto-me um tanto
>> dividido a esse respeito, tendo estranhado bastante a percepção de uma
>> hostilidade nítida não apenas em relação à ciência, mas à própria
>> racionalidade e até mesmo à verdade (talvez por ter vindo da
>> engenharia).
>>
>> Há uma questão de fundo da racionalidade q pouco é lembrada, e 
principalmente, eu diria, pouco lembrada por filósofos, apesar de muitos 
filósofos contemporâneos lembrarem constantemente dessa questão. Há uma 
irracionalidade ou um substrato impensado de fundo e indelével contra o 
qual se formam as nossas crenças mais básicas (alguns chamam de 
senso-comum), sem o qual a racionalidade é impossível. Posso depois passar 
as referências precisas q tenho, mas a tese é simples: a razão humana é uma 
capacidade q desenvolvemos para nos adaptar à vida coletiva. Alguns autores 
chegam mesmo a dizer q a função evolutiva da racionalidade humana é 
argumentar com os nossos iguais, os do nosso nicho, pq isso nos ajuda a 
sobreviver. Alie-se a isso q não basta aprender teorias científicas para 
raciocinar cientificamente (isto é, de maneira a aprender com os fatos, e 
não apenas reiterar o q aprendemos por testemunho). 
Então, creio q nenhum de nós está, individualmente, isento de repetir 
crenças q a experiência passada e os nossos hábitos epistêmicos fixaram em 
nós como uma segunda natureza, para falar como os medievais. Pois toda 
crença é pelo menos dividida em o q herdamos da experiência pregressa 
(incluindo o aprendizado cultural, seja de q natureza for) e o q 
conseguimos aprender com a nova experiência. E se a experiência passada não 
nos deu meios para continuar aprendendo com a experiência daqui pra frente, 
até onde consigo ver, fica mais fácil entender essa hostilidade q vc anota. 
Individualmente, então, acho q ninguém convence ou ensina ninguém de nada; 
ou a pessoa aprende por si, ou é doutrinada (perdoem-me se pareço muito 
dicotômico; não vou me alongar nisso pra não ficar ainda mais tedioso).
É claro q a sobrevivência em um nicho não significa a sobrevivência da 
espécie, ou mesmo a melhor sobrevivência. Pode significar justamente o 
contrário, o q só aumenta o nosso trabalho.  


>> O problema é que hoje eu vejo que muito do relativismo e das
>> conclusões extremas em relação à negação da verdade e da razão estão
>> muito além dos muros da academia e do debate contextualizado, sendo
>> possível perceber inclusive em posturas de alunos do ensino médio (sou
>> servidor técnico-administrativo do IFRN).
>>
>
O James Rachels tem um capítulo muito interessante sobre relativismo 
ético-moral num livro q eu usei muitos anos lecionando justamente uma 
disciplina de ética para cursos diversos. O livro é Os Elementos da 
Filosofia Moral. A tradução é ruim, não recomendo. Mas o livro é bom; não é 
Kant ou Aristóteles, longe disso, mas ele tem uma linguagem bem boa para 
estudantes. E nessa linguagem clara e fluida, ele apresenta uma ideia 
importante: a gente pode argumentar e perguntar pelas razões. Isso pode 
parecer ingênuo diante do q eu escrevi antes, mas acho q é tão importante 
quanto mais ingênuo seja. O exemplo q ele dá é o seguinte (alguns vão 
lembrar de G.E. Moore, é claro). Imagine uma situação (comum) em q as 
pessoas dizem q os valores são incompatíveis. Mas será que são os valores q 
são incompatíveis ou é o sistema de organização das crenças? Alguém pode 
viver numa sociedade como a nossa, com megacidades em q abundam as 
hamburguerias, tantas mais quanto pior for o hambúrguer e maior a 
quantidade de hordas colonizadoras e bem intencionadas q as frequentem.  E 
outro alguém pode vir de uma sociedade rural e totalmente vegetariana, em 
que nunca se come carne, de nenhuma espécie de mamíferos. Aí se vc 
perguntar pq essa pessoa não come carne, ela pode dizer q tem medo de comer 
a carne da própria avó que já morreu mas pode ter reencarnado na vaca que 
foi sacrificada para fazer o hambúrguer. Mas pq? Ora, pq essa pessoa crê q 
a alma dos mamíferos reencarna em qq espécie de mamífero, seja pessoa, 
gato, bezerro, ornitorrinco... Então, não são exatamente os valores q são 
diferentes, pq na sociedade de hambúrgueres para civilizados urbanos e bem 
intencionados tb é reprovável comer a carne dos antepassados. Ao mesmo 
tempo, muitos crêem q hambúrgueres podem ser do bem ou do mal, dependendo 
de se forem feitos com carne de mamíferos ou vegetais. Mas, qdo começarem a 
ser fabricados em massa os hambúrgueres ultraprocessados dos latifúndios de 
vegetais laboratorialmente desenvolvidos do Bill Gates, outros problemas 
surgirão. E outras perguntas necessariamente serão feitas.
Então, acho o relativismo cultural, como diz o Rachels, não consegue 
enfrentar muitos desses problemas, ao mesmo tempo em q um racionalismo de 
molde iluminista tb não resolve muita coisa, pq a razão não é algo q fica 
dentro da cabeça dos indivíduos, mas é algo social. Pensando no q vc disse 
sobre o reconhecimento da verdade, acho q só o "não", só a refutação e a 
falsificação, não resolvem muita coisa. Como a gente aprende a pensar com 
uma linguagem q já é pronta qdo a gente nasce, o q faz as pessoas herdarem 
as maneiras como organizar as crenças, valores etc., é sempre um esforço 
limitado argumentar e raciocinar, mas um esforço q não dá pra abandonar 
(ninguém conseguiria parar de argumentar, nem se quisesse). Os autores q eu 
gosto de ler enfatizam q para uma argumentação ser eficaz (nesse sentido de 
fazer as pessoas se abrirem para aprender) é preciso criar uma harmonia 
entre percepção sensível, emoções e razões, sem o q lógica nenhuma funciona 
(a racionalidade, aí, seria só a superfície do psiquismo; o q faz da lógica 
algo ao mesmo tempo muito frágil e imprescindível). Pelo q vc escreveu (e 
outros nesta lista), acho q estamos no mesmo diapasão. 
Desculpem novamente por ter me alongado e saudações a todes. 
cass.



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