Carlos,

Só posso dizer que concordo inteiramente com você! Eu só queria deixar claro que tanto a minha TV quanto a teoria de Hertz podem, no futuro, virem a ser substituídas por "coisas" novas, melhores, mais aprimoradas. Mas seja qual for o substituto da teoria de Hertz ele terá que explicar não só as novíssimas TVs, mas a minha velhinha também. A minha TV funciona e faz parte do mundo. Já os aspectos conceituais da teoria de Hertz não fazem parte do mundo. São conceituais. Se a teoria for substituída, eles morrem com ela. Deixam de ter importância. As novas teorias não têm responsabilidades com os aspectos conceituais das teorias velhas, mas têm responsabilidades com todos os aparatos que construímos através das teorias velhas. A teoria de Hertz pode, no futuro, simplesmente deixar de ser considerada. Desaparecer, deixar de "existir". Minha TV (ou o fato de que ela funciona) não. É neste sentido, apenas, que eu disse que dou mais importância à técnica do que à ciência. Mas confesso que foi apenas uma implicância em prol do debate :) É que estou preparando minha apresentação da ANPOF justamente para o GT que o Cifuentes disse que estará presente, exatamente sobre este assunto. Então tenho que caprichar! :)

Um abraço,
Daniel.

On 21-10-2012 16:13, Carlos Gonzalez wrote:
Prezado Daniel,

Minha escolha da palavra "desnecessária" foi infeliz. Seria mais
correto dizer "insignificante", "sem nenhum valor", "um mero enfeite
inútil", etc. O problema é: "será que teríamos a tecnologia T, se não
for pela teoria C?". Por exemplo: "conseguiríamos ter linguagens de
programação sem a teoria da recursão e das linguagens formais?".

Também acho extremo uma exageração no estudo de teorias. Fiquei
sabendo de um curso de sorveteiro que tinha fundamentos de química,
que ficavam totalmente alheios à prática do sorveteiro.

E também é claro que eu não me oponho a que seja apresentada uma outra
teoria concorrendo com C, o que aconteceu muitas vezes na história.

Assim como o caso da substituição que comentei, eu vi muitas vezes
cometer erros em matemática e computação por falta de conhecimentos
lógicos.

Com relação à valoração ciência versus tecnologia, acho que realmente
tem uma resposta axiológica e não objetiva. Desde o ponto de vista
prático, as tecnologias mudaram nossas vidas e são vistas como "boas",
valorativamente. Num contexto mais geral, não sei se tem muito sentido
comparar as equações de Maxwell ou as pesquisas de Hertz com um
aparelho de TV.

Nesse sentido o que mais me preocupam são as posições obscurantistas
que se ocultam sob a pele de cordeiro da prática para rejeitar a
teoria. O estudante que está com preguiça de pensar uma questão
complicada que está sendo colocada e pergunta: "professor, onde eu vou
usar isso?". E essas posições são as que batem palmas euforicamente
quando alguém fala "não é necessário saber C".

Carlos


2012/10/21 Daniel Durante <dura...@ufrnet.br>:
Oi Carlos,

Eu entendo o que você está dizendo e concordo com você. Mas a gente também
precisa tomar cuidado com o abuso oposto. Você disse:

De uma teoria científica C é derivada uma tecnologia T. Essa tecnologia é
muito útil e muitas pessoas apreendem T sem ter ideia de C. Então concluem
falaciosamente que C es desnecessária, uma perda de tempo, etc., porque
aplicam T e obtém o que eles queriam, de modo que T é realmente importante e
não C.

     No sentido mais estrito do termo, C é mesmo desnecessária para T. O fato
de C explicar/fundamentar T não significa que C seja a ÚNICA
explicação/fundamentação possível. Não significa que não possa haver (ou não
haja) outra explicação para T fundada em outra teoria C'. Se este for o
caso, então C não é necessária para T, mas apenas suficiente. Suponha que eu
invente uma geringonça que para funcionar dependa de minha habilidade de
prever eclipses totais da lua. Tanto a astronomia copernicana (C1)
fundamenta minha geringonça, quanto a astronomia ptolomaica (C2). E veja que
C1 e C2 são incompatíveis. Não podem estar ambas corretas.
     Claro que eu estou exagerando as coisas aqui e, repito, concordo com o
que você disse no e-mail, mas o ponto que defendo é que aquilo que
supostamente FUNDAMENTA uma posição, teoria, máquina, projeto,... não é
necessariamente a única fundamentação disponível (ou imaginável). E não
sendo a única, não é NECESSÁRIA. Claro que não ser necessária não implica,
de modo algum, em ser uma perda de tempo! Neste ponto estamos de acordo. Mas
eu sinceramente acho que a tecnologia T é, realmente, mais importante que
qualquer teoria científica C que a explique. Afinal de contas, as revoluções
científicas podem nos tirar do centro do universo e nos colocar na periferia
de uma dentre muitas galáxias rodopiando em volta de uma estrela de 5a
grandeza, mas elas não conseguem fazer nenhum de nossos aparatos
tecnológicos pararem de funcionar.

Saudações,
Daniel.

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