Prezados professores e estudantes da lista,

Nesta semana, fomos "agraciados" pela medida provisória que irá implantar o
novo modelo de ensino médio no Brasil.
Como todos devem ter lido, a disciplina de filosofia (área de interesse de
boa parte dos assinantes desta lista) se tornará optativa. Pode ser dito:
"dado que os alunos devem escolher duas grandes áreas do conhecimento
(entre cinco) para aprofundar seus estudos, todas as disciplinas (a não ser
- segundo a lei - português, matemática e inglês) se tornarão optativas!".
Ok, mas a questão que se põe é a seguinte: segundo a medida provisória,
será optativo, pelos Estados, até mesmo _oferecer_ a disciplina de
filosofia. De certo modo, no ensino médio, a filosofia será 'optativa ao
quadrado'! Levando em conta a economia, já podem pensar quantos Estados
irão oferecer filosofia em suas grades...

Muitos dos professores assinantes desta lista podem pensar: "Isto não me
prejudica, já que sou professor universitário e não de ensino médio, e a
faculdade de filosofia na minha instituição continuará existindo!". Não
obstante, lembro sempre que nosso principal foco é o aluno, já que nenhum
professor de universidade pública ou privada faz apenas pesquisa: todos
temos que também dar aulas na graduação ou pós-graduação. Assim, ofereço
uma reflexão: se a disciplina de filosofia não será mais obrigatória no
ensino médio, quantos alunos realmente teremos na universidade cursando
filosofia, aqueles que desejam se tornar professores no futuro? Se não
haverá emprego no futuro, por mais boa vontade dos jovens, ninguém cursará
filosofia, haja vista que não haverá aulas  no ensino médio para serem
lecionadas (leia-se 'emprego')! Com isto, em breve, os professores dos
cursos de filosofia das universidades estarão "falando às paredes", num
esvaziamento acelerado dos cursos.
Será que neste momento o emprego até mesmo dos professores universitários
estará tão garantido assim, haja vista a questão da "economia e eficiência"
do dinheiro público? Sem alunos nos cursos, quanto tempo levará para vermos
os cursos de filosofia serem paulatinamente fechados?
Niguém está seguro!

Assim, pergunto aos membros dessa lista, àqueles que têm grande influência
nas sociedades organizadas, nas academias, nos meios políticos lá do
governo federal: vamos ficar parados? O que vamos fazer? Deixaremos se
extinguir assim a filosofia no ensino médio brasileiro como se fosse poeira
levada pelo vento?

E nem vou comentar a parte da questão relacionada ao desenvolvimento
crítico do jovem do ensino médio etc. etc... Vou apenas me ater à questão
puramente 'existencial' (no sentido material mesmo do termo): ontem, o
prof. Marcos Silva postou aqui na lista um convite para a Semana de
Filosofia em Maceió. Se não houver mais alunos de filosofia (no contexto
explicitado acima), no futuro ainda haverá esta semana? E se houver,
reunindo apenas pesquisadores, isto se dará até quando?

Vejam que o problema não está apenas no "ensino médio", mas sim também no
superior, dado que muitos alunos do ensino médio desejam fazer filosofia
por terem tido contato com essa matéria ainda nessa etapa do ensino.
E não fica por aí: vários lógicos (mote desta lista) aprendem lógica em
cursos de filosofia, e seguem esta área do conhecimento em suas pesquisas.
Eu sou um deles: se não houvesse aprendido lógica na _filosofia_ (com o
prof. Décio Krause), talvez nunca houvesse tido a oportunidade de conhecer
essa área do conhecimento...

O que quero dizer com isso é que essa alteração da formulação do ensino
médio brasileiro vai além da "mera" disciplina de filosofia. Acaba afetando
todos, inclusive os professores do ensino superior (haja vista que não há
por que manter um curso de filosofia se não há alunos!). Essa proposta
remonta à ditadura brasileira, que como sabemos excluiu do ensino
exatamente as disciplinas "críticas", recuperadas a muito custo pela
sociedade.
E aí pergunto: vamos ficar parados? Quem está seguro?

E para os assinantes desta lista que não são da área de filosofia, e que
por isso talvez achem que essa discussão não seja importante, cito o famoso
poema "Intertexto" de Bertold Brecht:




















*Primeiro levaram os negros Mas não me importei com isso Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também
não era operário Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com
isso Porque eu não sou miserável Depois agarraram uns desempregados Mas
como tenho meu emprego Também não me importei Agora estão me levando Mas já
é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo.*

Abraços,

Prof. Dr. Jaison Schinaider
Filosofia
Instituto Federal de Santa Catarina - IFSC

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