Camaradas, bom dia. Retransmito a pedido o Manifesto abaixo.
Att. cass. -- Cassiano Terra Rodrigues Prof. Dr. de Filosofia - IEF-H-ITA Praça Marechal Eduardo Gomes, Nº 50 Vila das Acácias São José dos Campos São Paulo, Brasil CEP: 12228-900 Tel. (+55)-12-3305-8438 - Sala F0-206 - -- lealdade, humildade, procedimento Manifesto sobre o novo Qualis 2020 Ciência em Risco Os sistemas de pesquisa no Brasil foram criados há mais de 60 anos e nos últimos meses a sociedade brasileira vem assistindo ao seu desmantelamento, sendo atacados e negligenciados pelo Governo Federal. Um dos últimos atos foi impor um sistema único de avaliação de programas de pós-graduação, acompanhado pelos novos indicadores do Qualis, chamado de Qualis Referência, que qualifica a produção científica brasileira fundamentalmente em critérios quantitativos, sem possibilidade de discussão das diferentes áreas, com apenas pequenas margens para negociar e que não leva em consideração as especificidades de cada área do conhecimento. Cada área da ciência e tecnologia tem suas particularidades, origens, propósitos, meios de publicação científica e velocidade de aceitação do conhecimento, portanto, as distintas áreas não deveriam ser avaliadas com critérios únicos que pertencem exclusivamente a algumas. O comportamento de publicação das áreas como Exatas, Naturais, Médicas, Biológicas ou Engenharias são diferentes das Sociais, Humanas, Linguística, Literatura ou Arte. Enquanto as primeiras publicam principalmente artigos o segundo grupo publica mais em monografias (livros e capítulo de livro) e anais de eventos. Essas evidências ficam fortemente destacadas na pesquisa de Caballero-Rivero, Santos e Trzesniak (2019) que revela o comportamento dos pesquisadores brasileiros no período de 15 anos (2000-2014). Por exemplo, na saúde, engenharias os pesquisadores publicam muito mais em artigos do que em livros ou eventos. Essa distinção de onde se publica afeta toda avaliação do sistema produtivo entre as áreas, impedindo, portanto, que seja considerado o mesmo e único indicador de qualidade para representar as distintas áreas. As áreas da ciência possuem diversos canais de publicação e portanto, afetam o uso de indicadores como o Fator de Impacto (Clarivate Analytics - Web of Science - WoS) ou CiteScore (Scopus) já que essas publicações (artigos e monografias) não estão inseridas nos respectivos indexadores, isto é, não serão computadas as citações proveniente delas, logo, esses indicadores métricos apresentarão um dado quantitativo equivocado de citação das áreas. Cabe destacar que o Fator de Impacto, propriedade de Clarivate Analytics, é utilizado contra o critério do próprio criador, Eugene Garfield, para medir a qualidade das revistas mediantes suas citações. A medida é tendenciosa, reconhece apenas artigos de revistas que estão dentro da base de dados da Web of Science, e não representa todos os campos da ciência por igual. Tanto o Fator de Impacto quanto CiteScore são indicadores pensados para classificar as revistas internamente nas plataformas, não em sistemas de avaliação de revistas em geral nem de programas de pós-graduação ou cientistas. Outro indicador escolhido no novo Qualis é o h5 do Google Acadêmico, porém mais uma vez este sistema prioriza áreas onde a ciência se adota mais rápido, pois seu recorte temporal não contempla aquelas áreas onde o período de vida dos artigos científicos é maior do que 4 anos, apresentando uma menor velocidade de citação de obras novas. Isto é, a vida média de um artigo científico nas ciências exatas é mais curta do que nas ciências sociais e humanidades, por exemplo. Justificado principalmente pela diferença de seus paradigmas, enquanto as exatas possuem formas de expressar suas metodologias, epistemologias estruturadas em números, outras como as sociais e humanidades tem seus problemas relacionados à investigação de fenômenos humanos e sociais e muito dependente do contexto sociocultural; Deste modo, considerar o mesmo tempo de resposta da comunidade científica em reutilizar/citar para todas as áreas é um equívoco. O comportamento do pesquisador exigido pela Capes não representa a ciência brasileira, requerendo dos pesquisadores padrões de publicação próprios de apenas uma área do conhecimento. Esses indicadores não medem a qualidade dos periódicos ou dos artigos, são apenas um indicador das citações que recebe a revista dentro da plataforma. São estritamente quantitativos, vão na contramão de declarações internacionais como a DORA (https://sfdora.org/read/pt-br/), que aponta a inclusão de “indicadores qualitativos de impacto da pesquisa, tais como sua influência em políticas e práticas.” O Qualis Referência ao adotar o Fator de Impacto (Web of Science/Clarivate Analytics) ou CiteScore (Scopus/Elsevier) privilegiam significativamente os periódicos científicos estrangeiros de bases de dados comerciais, debilitando assim as pesquisas locais/nacionais. Este tipo de periódico não tem como foco os trabalhos relacionados com questões da nossa região, que teorizam ou aplicam técnicas em estudos mais direcionados a regiões da América do Sul. Desta forma, a ciência brasileira terá que pesquisar assuntos de interesse dos países dominantes para poder publicar nas revistas que pertencem as bases de dados comerciais, visto que as nacionais foram rebaixadas, no novo Qualis, como de segunda classe. Por exemplo, as pesquisas em Medicina Tropical na década de 1980, no Brasil, em relação a Dengue e ao Zika, eram publicadas regionalmente, porém com a chegada destas doenças aos países do norte, as grandes revistas internacionais começaram a se preocupar e publicar trabalhos sobre o assunto. Corroborando com esses dados, no Qualis anterior tínhamos um sistema que valorizava publicações em português, mesmo as revistas A1 no quadriênio 2012-2016. O que se propõe com a nova medida é a obrigação de publicar predominantemente em inglês, porém sem oferecer recursos de custeio para revisões, traduções e nem pagamentos das altíssimas Taxas de Processamento de Artigos (APC) que exigem as revistas estrangeiras para publicação. Além disso, os programas de pós-graduação passam por contínuos cortes de verbas, não dispondo de recursos para financiar tais custos. Ao privilegiar as revistas de editoras comerciais (Sage, Elsevier, Springer, Clarivate Analytics, etc) classificando-as no primeiro estrato da classificação do novo Qualis, ignoram o modelo brasileiro de comunicação científica, que é exemplo no mundo para periódicos em Acesso Aberto. O Acesso aberto brasileiro diferente de outros países, não apresenta custos de acesso para a população nem custos para publicação, e valorizando a academia que em ampla medida edita e publica os periódicos científicos, em especial as Universidades Públicas. Esse sistema é insustentável a longo prazo e a própria CAPES se comprometeu em criar políticas de investimento para o acesso aberto quando aderiu, em 2017, à iniciativa global Open Access 2020. Desta forma o novo Qualis oferece de graça, e sem nenhuma contrapartida, o capital intelectual brasileiro a oligopólios editoriais estrangeiros, abrindo de forma institucionalizada o mercado editorial que era predominantemente em acesso aberto, para o modelo de publicação restrito. Ou seja, a ciência brasileira, paga com dinheiro público, será obrigada a transferir os direitos autorais patrimoniais dos resultados das pesquisas para o lucrativo negócio das editoras estrangeiras privadas sem obtenção de nenhum retorno econômico ou, ainda, terá que pagar grandes taxas para publicação de artigos (APC) que podem ir de $2.000 a $3.500 dólares por artigo para poder publicar em Acesso Aberto nessas editoras. Além da milionária despesa anual para pagamento das licenças de acesso às bases de dados dessas editoras. A nova política do Qualis poderá incrementar a evasão dos melhores artigos dos pesquisadores brasileiros para títulos estrangeiros de editoras comerciais de alto custo. produzindo assim o efeito Mateus da ciência, onde os títulos internacionais recebem os melhores trabalhos, fragilizando os títulos brasileiros, considerados de qualidade inferior ou de segunda categoria, regredindo em torno de 20 anos de história da publicação científica de nosso país. Reforçando assim o controle das editoras privadas sobre toda à ciencia publicada (LARIVIÉRE et al., 2015). Além disso, essa política desvaloriza canais de informação que representam os pesquisadores brasileiros, deixando de inserir indicadores de qualidade específicos das áreas, ou da região, como é o caso da ausência de indexadores como DOAJ, Latindex, Redalyc ou SciELO, alguns deles desenvolvidos no Brasil ou países latinos e reconhecidos internacionalmente. No que tange, transparência e clareza, a nova proposta omite a pontuação exata de cada um dos itens avaliados no documento de área, bem como o algoritmo utilizado que deveria poder ser auditado pela comunidade científica. Tornar disponível este tipo de ação possibilita a melhoria de qualidade das revistas nacionais. De acordo com esses pontos elencados, percebemos que a tendência deste modelo ao unificar o sistema de avaliação vai criar um abismo maior entre as áreas de conhecimento. Os sistemas de avaliação assim como as métricas científicas, devem considerar as diferenças, e criar modelos de avaliação que incorporem as características das áreas, ou seja, o que é diferente deveria ser avaliado diferente, sejam as áreas, os programas de pós-graduação ou os cientistas. Frente a isso, a soberania nacional científica está em risco, o novo Qualis Referência considera sistemas e indicadores que não representam o país, a pós-graduação e a pesquisa em ciência e tecnologia, tendendo a colapsar o sistema de produção científica. REFERÊNCIAS COSTA, M. da; LEITE, F. Lima. Factors influencing research data communication on Zika virus: a grounded theory. Journal of Documentation, v. ahead-of-print, n. ahead-of-print. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1108/JD-05-2018-0071. Acesso em: 26 ago. 2019. CABALLERO-RIVERO, Alejandro; NONATO MACEDO DOS SANTOS, Raimundo; TRZESNIAK, Piotr. Health sciences evaluation policies and publication practices in Brazil. Revista Cubana de Información en Ciencias de la Salud (ACIMED), v. 30, n. 1, p. 1–28, 2019. Disponível em: https://www.medigraphic.com/cgi-bin/new/resumenI.cgi… <https://www.medigraphic.com/cgi-bin/new/resumenI.cgi?IDREVISTA=227&IDARTICULO=87070&IDPUBLICACION=8337>. Acesso em: 26 ago. 2019. CREAGH, Sunanda. Princeton goes open access to stop staff handing all copyright to journals – unless waiver granted [online]. The Conversation, 28 September 2011, 1.25pm AEST. 2011. Disponível em: https://theconversation.com/princeton-goes-open-access-to-s… <https://theconversation.com/princeton-goes-open-access-to-stop-staff-handing-all-copyright-to-journals-unless-waiver-granted-3596>. Acesso em: 27 ago. 2019. LARIVIÈRE, Vincent; Haustein, Stefanie; Mongeon, Philippe.The Oligopoly of Academic Publishers in the Digital Era. PLoS ONE, v. 10, n. 6, e0127502. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0127502 Informação adicional Assinam:: PGCIN (UFSC), PPGInfo (UDESC) Pesquisadores da Ciência da Informação. -- Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "LOGICA-L" dos Grupos do Google. Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para logica-l+unsubscr...@dimap.ufrn.br. Para ver esta discussão na web, acesse https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/d9b0bde3-dbf3-428e-b881-27907beb19a6n%40dimap.ufrn.br.