Engraçado, de fato, Samuel... Não tenho dúvida que a maior parte de
nós teria casos parecidos de burrrocratadas para relatar.
Os requisitos para candidatura no relatado concurso da UFBA incluem a
titulação em A ["Doutor em Matemática"], B ["Doutor em Lógica (Lógica
Matemática)"] ou C ["Doutor em Filosofia (Lógica Matemática)"]. Não
chego a compreender a semântica exata dos parênteses após o nome do
título entre aspas, e certamente teria dificuldade em encontrar
pessoas no Brasil (ou no mundo) que se encaixem na classe B (que
título é esse?). Por outro lado, talvez seja possível (falo em
abstrato) encontrar bons profissionais com titulação em D (doutor em
"Ciência da Computação"? em "Física"? em algum tópico
multidisciplinar, com "ênfase em Lógica Matemática"? em qualquer
outro assunto?) sobre cuja competência a qualificação entre parênteses
("Lógica Matemática") se aplicaria. Mas estes últimos serão
pré-filtrados, impossibilitados de se candidatar. Como já foi
esclarecido, a decisão relativa a tal filtragem já foi suavizada por
vocês, mas de todo modo não ocorreu por acaso, e sim por design ("para
evitar a candidatura dos Físicos").
Até onde sei, o presente concurso é a terceira (ou quarta?) edição do
mesmo esforço de tentar encontrar bons lógicos matemáticos para
integrar o já excelente quadro de lógicos matemáticos do DMAT da UFBA.
Além de você, Samuel, sabemos (falo em concreto) que há aí
presentemente dois colegas alemães, e há por aí pelo menos um italiano
que possivelmente se candidataria a uma destas novas vagas. Ótimo,
uma vez que em edições anteriores do concurso ou não houve candidatos,
ou não houve aprovados, ou houve aprovados que acabaram por não
assumir --- e nenhuma destas situações obviamente atende à necessidade
de vocês. Nestas circunstâncias, portanto, talvez a única coisa que
os seus colegas da "velha guarda" teriam a recear é que haja desta vez
um "excesso de candidatos" para serem julgados pela banca!
Basta deste caso particular, contudo. Tenho certeza de que vocês já
fizeram o que podiam, e que venceram a batalha a que se propuseram.
[Aplausos.] Gostaria de retornar contudo ao ponto que considero
principal, e que tentei levantar. A oferta de vagas nas universidades
brasileiras (tanto na nossa área quanto fora dela) parece ultrapassar
em muito a demanda dos profissionais nacionais qualificados que
aguardam por uma posição (e uma possível consequência é que o nível de
qualificação dos contratados venha a baixar). O fenômeno do "pleno
emprego" no Brasil é ainda mais geral: enquanto há grande recessão
pelo mundo afora, o IBGE anuncia nova redução da taxa de desemprego,
neste exato instante!
E na universidade? Também ali nunca na história deste país se viu
algo parecido. Só a UNESP, por exemplo, deve ganhar em breve algo em
torno de 4.500 vagas docentes (http://agencia.fapesp.br/16196). "Aqui
em casa" também não faltam vagas. Além da vaga em Filosofia
recém-anunciada nesta lista, neste exato instante há também 6 vagas
docentes permanentes em aberto para matemáticos na UFRN
http://www.sistemas.ufrn.br/shared/verArquivo?idArquivo=1202573&key=e66298a58cd3cb0d00410bbf214637db
e em breve serão anunciadas pelo menos 30 vagas permanentes para o
novo curso de Bacharelado em Tecnologia da Informação que está sendo
criado para início no próximo ano. O Ciência Sem Fronteiras também
tem dezenas de milhares de bolsas a distribuir, sobram bolsas de
iniciação científica e de mestrado em muitos lugares, e por aí vai.
Neste tipo de situação, se estamos buscando contratar os melhores
profissionais (da Jovem Guarda?) para termos trabalhando na nossa
Academia (não, não estou falando de academia de ginástica) durante as
próximas décadas, talvez precisemos começar a fazer editais MUITO mais
flexíveis, permitindo que MAIS pessoas se candidatem (inclusive
estrangeiros, que legalmente podem assumir tais cargos públicos neste
país), filtrando MENOS os candidatos previamente (deixemos eles
mostraram NA PROVA que fazem alguma ideia do assunto sobre o qual
estão sendo testados --- e se eles souberem realmente do que estão
falando, que diferença faz a sua origem?). Também é importante que
aprendamos a divulgar as oportunidades AMPLAMENTE e COM ANTECEDÊNCIA
RAZOÁVEL.
Por que afinal seria impossível implementar tais medidas sugeridas
neste último parágrafo?
Joao Marcos
PS: No Brasil o que tradicionalmente acontece costuma ser o inverso:
concursos são feitos às escondidas para vagas que foram criadas "com a
cara" do candidato que já se pretende contratar à partida... Isto é
decente?
2012/9/19 <sam...@ufba.br>:
> Olás,
>
> Pois é, concordo que a prova escrita já poderia filtrar tudo, mas as pessoas
> têm visões arraigadas de décadas e etc... Mas anoto os seus argumentos para
> levantá-los numa próxima reunião aqui. Só pra ver o pessoal mais velho
> espumando. 8-)
>
> (Sobre o número de candidatos: concursos de física têm mesmo muito mais
> candidatos do que matemática, para quem quer enxugar "logo de saída" esse
> argumento sempre é levantado)
>
> Sobre a coisa de estrangeiros: eu coleciono histórias ridículas a esse
> respeito !!!!
>
> 1) Um colega nosso que se inscreveu num concurso aqui há um tempo atrás teve
> a
> sua inscrição não-homologada, porque... Seu curriculum estava em espanhol.
>
> Apesar de perfeitamente legível para quem quisesse ler, a justificativa que
> me deram foi: "o currículo faz parte da prova de títulos, e a prova tem que
> ser feita em português".
>
> Pelo menos o Ciência sem Fronteiras aceita currículos e projetos em inglês.
>
> 2) Uma colega nossa que fez concurso aqui tinha o seu doutorado numa
> renomada universidade britânica, fundada em 1200 e alguma coisa. No processo
> para revalidação do diploma, veio a seguinte pérola do setor jurídico da
> universidade:
>
> "O Instituto e a Universidade devem realizar esforços para contatar o
> consulado britânico para verificar se a Universidade de (...uma das duas
> tops que vocês estão pensando mesmo...) está credenciada a dar diplomas de
> doutorado"
>
> ... Depois quando veio a tese para que eu desse o parecer (o processo veio
> pra minha mão, por isso li a pérola acima), pediam que se falasse das
> "credenciais acadêmicas" da tal universidade, e eu comecei falando: eles
> formam doutores desde 1220...
>
> 3) A FAPESB, que é a FAP local aqui da Bahia, teve recentemente aberto um
> edital para pesquisador visitante. Eu fiquei sabendo três semanas antes do
> deadline e já era impossível se inscrever. Falta de tempo para fazer um
> projeto ? Não, projeto a gente faz em uma semana...
>
> A FAPESB pedia que O PESQUISADOR CANDIDATO *assinasse* pelo menos uma das
> duas vias do projeto (em PAPEL, percebem ?) a ser protocolado (como se
> fizesse diferença eu mandar uma ou duas folhas de formulário para a Europa
> para ser assinado e voltar, sem nenhuma garantia que os correios dessem
> conta do processo em três semanas).
>
> 4) Outra da FAPESB: normalmente queremos trazer candidatos estrangeiros para
> que eles aprendam a língua e já vão adiantando toda a documentação para lá
> na frente fazer um concurso, certo ? Pois é, para o pós-doutorado da FAPESB,
> se pede, para candidatos estrangeiros, REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA NO BRASIL -
> antes mesmo do cara vir pra cá !!! É mole ?
>
> ... E se eu parar pra pensar eu lembro de outras histórias, essas acima são
> as mais recentes.
>
> Estamos muito distantes da tal "internacionalização da ciência brasileira",
> porque para fazer isso já deveríamos ter avançado do "provincianismo da
> ciência brasileira" (e dos órgãos públicos em geral) para uma situação pelo
> menos razoável para a partir daí melhorar.
>
>
> Até,
>
> []s Samuel
>
>
> Quoting Joao Marcos <botoc...@gmail.com>:
>
>> Olá, Samuel:
>>
>>> O pessoal de departamentos de matemática, em geral, não gosta muito que
>>> físicos tentem entrar, e também não simpatizam muito com engenheiros,
>>> então
>>> eles evitam o "áreas afins". Sei disso de vários departamentos de
>>> matemática.
>>>
>>> Além do preconceito com outras áreas, eles acham que se deixar o áreas
>>> afins
>>> "se inscreve muita gente" e fica difícil fazer o concurso.
>>
>>
>> Se vocês forem "suficientemente" rigorosos na correção da prova
>> escrita, que é eliminatória, podem deixar passar para a etapa que toma
>> mais tempo da banca (apresentação de aulas, defesa de memorial etc)
>> apenas uma quantidade de candidatos "razoável". Não é necessário
>> filtrá-los ANTES do concurso... (em Filosofia a filtragem costuma ser
>> ainda mais absurda, e é frequente a exigência de "graduação em
>> Filosofia", ou algo parecido)
>>
>> Não me parece que os vários concursos que vocês abriram nos últimos
>> tempos (e que, de forma geral, têm sido abertos prodigamente Brasil
>> afora!) tenham sofrido exatamente com "excesso de candidatos", não é?
>> Seria muito bom, aliás, que pudéssemos travar lutas mais
>> significativas e permitir que candidatos estrangeiros (há alguns nesta
>> própria lista) pudessem prestar estes concursos no Brasil com mais
>> facilidade (editais e provas em língua inglesa, ou mesmo à distância).
>> Recordo que o requisito de "demonstrar proficiência" (prova CELPE, ou
>> equivalente), assim como o de "comprovação de título", legalmente são
>> exigidos apenas no momento da contratação.
>>
>> Enfim, a Lei Nacional (e o grupo de Matemática da UFBA) certamente já
>> é simpática a candidatos estrangeiros --- falta agora realmente
>> facilitar a participação deles, para sermos capazes de "importar
>> cérebros" sem impor qualquer tipo de protecionismo besta.
>>
>> * * *
>>
>> Uma ilustração engraçada (trágica?): vocês notaram que não há versão
>> em língua estrangeira do *edital* do nosso programa "Science Without
>> Borders"? Temos neste momento uma candidata indiana pré-aprovada para
>> vir para cá, mas para a fase final estou tendo que traduzir as coisas
>> para ela eu mesmo...
>>
>> * * *
>>
>> Por sorte minha, no meu concurso para o Depto de Informática no qual
>> hoje trabalho havia "ou área afim" no requisito de titulação, e me
>> permitiram por isso disputar com meu título em Filosofia.
>>
>> JM
>>
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