Olá, Julio:

Pergunte, sim: é conversando que as pessoas se entendem.  Ou não.

Ficou claro, sim, que seu problema é com as lógicas não-clássicas em geral.

> O que eu estava chamando de lógica clássica seria algo como a
> "Conceitografia" de Frege (ou os Principia do Russell/ Whitehead),

Você precisa rever isso.  Ao falar de "lógica clássica", hoje em dia,
ninguém tem em mente a lógica de Frege e de Russell (nem muito menos a
de Aristóteles).  Seria inclusive impossível formular o seu problema
original sobre a "semântica paraconsistente" do ponto de vista
fregeano ou russelliano, para os quais sequer havia uma *semântica*
explicitamente formulada.

> e, na verdade, confesso que vejo essa dificuldade em questão não apenas na
> Paraconsistência (quero dizer com isso o "Sistemas Formais Inconsistentes"
> do prof. da Costa, mas também em toda a lógica dita não-clássica que se
> pretenda como uma espécie de rival da clássica, e não apenas uma extensão
> formal dela (embora me pareça que, ali no "Sistemas Formais Inconsistentes",
> o prof. da Costa não pretendia rivalizar com a lógica clássica).

A diferença entre lógicas rivais e complementares à clássica é caduca,
só "funciona" no livro da Susan Haack...  Na prática as coisas
raramente podem ser facilmente vistas desta ótica.  As lógicas da
inconsistência formal, por exemplo, e em particular as principais
lógicas paraconsistentes propostas por da Costa, podem ser formuladas
como extensões da lógica clássica pela adição de uma segunda negação,
paraconsistente.

> Por exemplo (repetindo o que lhe falei no outro email),  a lógica Fuzzy,
> mesmo que minha fórmula possua um valor fuzzy entre 0 e 1, digamos até algo
> como "0,777777...", é por isso mesmo verdade que ela possui tal valor e
> falso que ela possui outro valor. É impossível possuir 'fuzzyadamente' um
> valor, mas apenas possuir precisamente um valor Fuzzy e, com isso, a
> bivalência ainda estaria em plena funcionalidade aqui.

Há várias coisas sendo confundidas aqui.  O fato de que em uma
semântica baseada em conjuntos de valorações como *funções* cada
fórmula possui no máximo um valor de verdade se deriva tão-somente da
própria definição matemática de *função*.

Há muitos outros tipos de semântica, de todo modo, aplicáveis a
lógicas paraconsistentes.  Já foi mencionada aqui a semântica de
traduções possíveis, e você próprio mencionou as semânticas
polivalentes da lógica difusa.  Mas também há semânticas modais,
semânticas não-determinísticas etc.  Há lógicas paraconsistentes com
todo tipo de semântica.  Não há nada chamado "semântica
paraconsistente", contudo.

> Em outras palavras, todo Sistema Formal só pode ser apresentado enquanto
> linguagem-objeto e, com isso, precisa de uma meta-linguagem para
> apresentá-lo e - talvez eu esteja ainda num 'vício aristotélico' - mas não
> consigo nem imaginar de que maneira uma meta-linguagem, ao apresentar um
> Sistema Formal, poderá definir de maneira precisa qual é operação formal de
> um símbolo qualquer de tal sistema sem utilizar a "Identidade", a
> "Não-Contradição" e o "Terceiro-Excluído" (por exemplo: "é verdade que tal
> símbolo funciona assim e falso que funciona de outra forma"). Ou seja, sem
> um modo de apresentação clássico, a meu ver, qualquer Sistema Formal não
> consegue nem possuir sintaxe.

É possível ser "formal" e "preciso" sem ser clássico.  De todo modo,
você não deve confundir a meta-linguagem (frequentemente clássica, ou
construtiva em termos muito gerais, como também já foi mencionado aqui
antes) com a linguagem objeto da lógica que lhe interessa.

> Vejo ainda uma outra questão. Estive lendo o "Fundamentos das Redes Neurais
> Artificiais Paraconsistentes" (João Inácio da Silva Filho e Jair Minoro Abe)
> e me deparei com o seguinte:
> "A Lógica Clássica utiliza apenas dois estados lógicos: verdadeiro
> ou falso. Por exemplo, na proposição “A maçã é vermelha”, num
> resultado de análise de cromaticidade só vão existir duas únicas situações:
> ela é vermelha ou é não-vermelha. Mas sabemos que, na realidade,
> existem inúmeros casos em que uma maçã pode ter cor próxima
> da vermelha ou próxima da cor verde etc.. É por possuir as características
> binárias que a Lógica Clássica oferece facilidades em
> ser aplicada em sistemas de computação, mas por outro lado, quando
> queremos descrever o mundo real é justamente esta característica
> binária que a torna inadequada para ser aplicada."

Bom, se você trabalhar com uma arquitetura analógica ao invés de
digital, pode ser mais natural que a sua máquina trabalhe com algo
mais próximo da lógica difusa do que da lógica clássica...

> Não vejo essa 'situação da maçã' como uma prova de que a Lógica Clássica não
> serve para descrever o mundo real.  Nesse caso, a meu ver, o predicado "x é
> vermelho" é que estaria mal formulado se a precisão que se quer é a nível
> cromático. Tal predicado, obviamente, não se aplica a maçã como um todo, mas
> isso não é um problema da Lógica Clássica, e sim da minha teoria sobre a
> maçã. A maçã não pode ser contraditória, mas apenas a minha teoria sobre ela
> (a contradição, a meu ver, é só uma categoria da linguagem).

De fato, ninguém aceitaria, ou comeria, uma "maçã contraditória".

> De qualquer forma, aceitar a contradição, nesse caso, não melhora em nada a
> minha descrição sobre o mundo real, mas apenas deixa mais confuso
> ainda, pois, em última análise, cada unidade mínima que um sensor óptico
> computacional analisa recebe um único valor de cor:
> se for vermelho, é vermelho, e se não for, não é.

Se você, como é mais frequente no "mundo real" de hoje em dia, tiver
vários sensores óticos independentes, cada qual coletando informações
"clássicas", ao combiná-las frequentemente você encontrará
contradições.  Um caso para uma aplicação epistemológica da abordagem
paraconsistente?

Abraços,
Joao Marcos

-- 
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(in absentia, post-doc in "Noricum")
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