No fundo é raso
Autor: Thomaz Wood Jr.
Fonte: Carta Capital. Data: 27/10/2010.
URL: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/no-fundo-e-raso
Novo livro do jornalista Nicholas Carr analisa estudos científicos acerca
dos efeitos da internet sobre nosso cérebro. Os resultados são
preocupantes

Em 2008, Nicholas Carr assinou, na revista The Atlantic, o polêmico
artigo "Estará o Google nos tornando estúpidos?" O texto ganhou a
capa da revista e, desde sua publicação, encontra-se entre os mais lidos
de seu website. Quem gostou do aperitivo pode agora saborear o prato
principal. O mesmo autor nos brinda com The Shallows: What the internet is
doing to our brains, um livro instrutivo e provocativo, que dosa linguagem
fluida com a melhor tradição dos livros de disseminação científica.

Para redigir uma breve resenha do livro, este escriba poderia preencher os
4.805 caracteres (com espaços) desta coluna de duas formas: a tradicional
e a "moderna". Na forma tradicional, o escriba leria por inteiro a
obra, faria anotações, deixando que as sinapses o estimulassem, e
elaboraria seu texto. Na forma "moderna", o escriba examinaria
"diagonalmente" a obra, navegaria pela internet em busca de opiniões
e usaria a velha arte da bricolagem para compor seu texto. Na era da
produtividade, esta segunda forma apresentaria a vantagem óbvia da maior
rapidez. No entanto, além de ser menos honesta com o leitor,
representaria também uma traição em relação à obra analisada.

Pois o livro de Carr é prazeroso no trato e claro em sua mensagem: uma
defesa sem constrangimento do slow reading, a arte de flutuar a mente
pelos caminhos explorados pelo autor, de forma que se possa avaliar suas
descobertas e ponderar seu argumento. E que argumento é esse? Carr
apropria-se da máxima de Marshall McLuhan - "O meio é a mensagem"
- para demonstrar que a internet está mudando a forma como nós
pensamos, nos tornando mais rasos, mais superficiais e, assombrem-se,
menos originais e menos criativos.

Novas tecnologias costumam provocar incerteza e medo. As reações mais
estridentes nem sempre têm fundamentos científicos. Curiosamente, no
caso da internet, os verdadeiros fundamentos científicos deveriam, sim,
provocar reações muito estridentes. Carr mergulha em dezenas de estudos
científicos sobre o funcionamento do cérebro humano. Conclui que a
internet está provocando danos em partes do cérebro que constituem a
base do que entendemos como inteligência, além de nos tornar menos
sensíveis a sentimentos como compaixão e piedade.
O frenesi hipertextual da internet, com seus múltiplos e incessantes
estímulos, adestra nossa habilidade de tomar pequenas decisões. Saltamos
textos e imagens, traçando um caminho errático pelas páginas
eletrônicas. No entanto, esse ganho se dá à custa da perda da
capacidade de alimentar nossa memória de longa duração e estabelecer
raciocínios mais sofisticados. O leitor haverá de se identificar, logo
nas primeiras páginas do livro, quando Carr menciona a dificuldade que
muitos de nós, depois de anos de exposição à internet, agora
experimentam diante de textos mais longos e elaborados: as sensações de
impaciência e sonolência.

No capítulo 7, certamente o mais provocativo, Carr nos introduz a estudos
científicos sobre o impacto da internet no funcionamento do cérebro
humano. Segundo o autor, quando navegamos na rede, "nós entramos em um
ambiente que promove uma leitura apressada, rasa e distraída, e um
aprendizado superficial". A internet converteu-se em uma ferramenta
poderosa para a transformação do nosso cérebro, e quanto mais a
utilizamos, superestimulados pela carga gigantesca de informações,
imersos no mundo virtual, mais nossas mentes são afetadas. E não se
trata de pequenas alterações, mas de mudanças substanciais: físicas e
funcionais.
Um dos estudos mencionados na obra revela que leitores de livros
apresentam intensa atividade cerebral nas regiões associadas com a
linguagem, a memória e as imagens. Leitores de páginas da internet, por
sua vez, apresentam intensa atividade cerebral também nas regiões
associadas com resolução de problemas e com tomada de decisões. Essa
dispersão da atenção vem à custa da capacidade de concentração e de
reflexão.
Em outro estudo também mencionado, dois grupos foram convidados a ler um
conto: o primeiro grupo o leu em formato tradicional; o segundo grupo
utilizou um formato especial, com links, como os disponíveis na internet.
O segundo grupo demorou mais para ler e mostrou mais confusão e incerteza
sobre o que tinha lido. A atenção do grupo havia se dirigido mais para
os recursos adicionais do que para a história em si. O meio havia
obscurecido a mensagem.
A leitura de The Shallows deixa um sabor agridoce: doce, por nos lembrar
que a boa ciência ainda é capaz de colocar em xeque o senso comum e a
unanimidade burra; e amargo, por nos fazer constatar que a tevê, com o
emburrecimento narcotizante por ela trazido, agora tem um parceiro
poderoso. 
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Prof. Murilo Bastos da Cunha, Ph. D.
Universidade de Brasilia
Faculdade de Ciência da Informação (FCI)
Brasilia, DF 70710-900 Brasil
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